quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Instalando nickel cover num humbucker

Oscar Jr.

    Instalar uma nickel cover, ou mesmo a popular "Capinha" num humbucker não é física quântica, mas requer alguns cuidados para que a mesma fique perfeita e não cause problemas como microfonias e etc. Estava dando uma limpa no meu PC e achei uma série de fotos que fiz justamente pro blog sobre o assunto há um tempo atrás e que acabei esquecendo no computador.

Antes de metermos a mão na massa, vale lembrar que existem inúmeros modelos de capinhas de diversos materiais sendo produzidos hoje. As chinesas em geral são de latão cromado o que gera muita corrente parasita no conjunto do captador e degrada o campo magnético causando uma leve perda de agudos. O ideal é que as capinhas sejam feitas de Nickel ou Alpaca que são materiais mais transparentes ao campo magnético e degradam menos o som. Não vou entrar em detalhes muito técnicos pois já temos diversos posts no blog abordando o assunto. Lembre-se sempre de usar a busca antes de perguntar algo, OK?



Pra começar é necessário ter certeza que as medidas da capinha e do captador batem. Existem basicamente 3 medidas de espaçamentos de polos de humbuckers hoje no mercado. 2 de Humbucker Standard (49,5mm e 50mm) e Trembucker ou F-Spaced (52mm) e não podemos usar uma capinha de Trembucker (espaçamento tremolo de 52mm) com um captador de espaçamento standard (49,5mm) .


Uma vez tendo certeza do espaçamento correto é necessário ter certeza que não hajam espaços entre a capinha e o captador, especialmente na parte de cima pois isso pode causar vibrações indesejadas e fazer com que sua guitarra apite como um mestre de escola de samba. As grandes fábricas parafinam o conjunto inteiro, ou seja, instalam a capinha e mergulham o conjunto todo dentro de parafina liquida onde deixam por alguns minutos até que ela entre no captador e preencha bem os espaços. Podemos fazer esse mesmo processo utilizando parafina num pote em banho maria, mas eu acho meio perigoso isso pois se não controlada a temperatura, a parafina pode derreter as bobinas e danificar o pickup. Eu só coloco parafina no contato maior entre o captador e a capinha e sempre me resolveram bem!


Eu compro parafina para artesanato em qualquer loja do ramo, ela vem num pacote com bolinhas como na foto. É só colocar um pouco na capinha (pouco senao vai ser uma lambuseira) até cobrir toda a extensão.



Depois temos que derrete-la de modo que as bolinhas fiquem meio moles. Eu cubro os furinhos com uma fita crepe e uso um secador de cabelo para aos poucos ir derretendo. O aspecto fica como na foto acima.




Uma vez derretida vc vai ter alguns segundos com a parafina ainda meio mole para poder colocar o captador e ajustar tudo. Vai fazer um pouco de sujeita, mas tudo certo... Depois que ela seca é bem fácil remover. Tenha certeza que o captador está bem encaixado com os parafusos nos buracos apropriados. Eu uso um grampo/clamp desses de marceneiro para segurar tudo junto e fazer a solda na base afim de fixar os dois juntos.



















Depois de tudo soldado, pego mais uma vez o secador de cabelo e esquento o conjunto mais um pouco. Isso garantirá que a parafina da capinha derreta um pouco mais e se ajuste às ranhuras cobrindo bem os buracos, não deixando espaço para vibrações indesejadas.


Pronto, com um papel toalha é possível retirar o excesso de parafina que sobrar e fim de papo!! :-)

Edit: aqui duas fotos de uma adaptação feita num humbucker Sergio Rosar. Veja que é nescessario gastar a lateral uns 2-3mm antes de encaixar a capinha. 

             
                         A solda embaixo é só raspar a cobertura preta para expor o cobre da base! :)

                                           

Pra finalizar é só substituir os parafusos alen padrão do Sérgio, pelos Fender e pronto! A conversão está feita!


_________________________________________________________________________________
Vale lembrar que se vc toca estilos extremos com uso de MUITO DRIVE E DISTORÇÃO, eu não recomendo que vc use esse método para instalar suas próprias capinhas. Aliás o melhor nesse caso é não usar capinha nenhuma, haja vista que mesmo as que já vem instaladas de fábrica podem ocasionar microfonias em ganhos mais extremos. No entanto se vc quer "incrementar" o visual da sua Les Paul para rock clássico e Blues por exemplo, funciona perfeitamente. Eu nunca tive problemas com as minhas !:-)

sábado, 25 de janeiro de 2014

Strato Vintage (Reissued) V6 Modificada

(obs: antes de fazer perguntas e ou postar comentários, leia aqui: CLIQUE)



Paulo May

Mais um post sobre as guitarras inglesas/chinesas da marca Vintage....
Já havia postado sobre a Vintage Les Paul Slash/Paradise (V100 AFD) e a Telecaster V52.
Como conheço o gerente (do imbróglio com a Tagima) da Multisom, fui direto falar com ele porque queria uma vermelha, a Firenza Red. Só tinha essa "Laguna Blue"... como o preço tava legal, levei.

Ao contrário da Paradise, essa V6 veio MUITO mal regulada de fábrica: ação alta, tremolo sem tensão e pra completar, haviam perdido o braço do tremolo... Ainda estão me devendo :)
Realmente não sei por que a comprei... A GAS (Síndrome de Aquisição de Equipamento) às vezes bate de forma tão aguda que não dá pra controlar. O caso é que eu tinha acabado de desmontar uma guitarra com 3 captadores lipstick GFS (corpo squier de basswood) porque queria me livrar definitivamente de todos os corpos de basswood. A bizarrice da GAS é que ao olhar o escudo com os 3 captadores "orfãos", sai e comprei uma guitarra pra eles! KKK!

Assim que cheguei em casa fiz algumas fotos:




Como falei antes, essas guitarras Vintage têm um excelente custo/benefício - ou tinham, porque em 2014 houve um aumento de preços geral nos instrumentos. As especificações são excelentes (do site):

Vintage®V6Series
Body: American Alder
Neck: Hard Maple – Bolt On
Fingerboard: Rosewood. One Piece Maple (MFR/MSSB)
Scale: 25.5"/648mm 
Frets: 22
Neck Inlays: Pearloid Dot. Black dot (MFR/MSSB)
Tuners: Wilkinson® WJ55 E-Z-LOK™ 
Vibrato: Wilkinson® WVC 
Pickups: Wilkinson® Single Coil x 3 (N) WVS (M) WVS (B) WVS
Hardware: Chrome
Controls: 1 x Volume/ 2 x Tone/ 5-Way Lever

O raio da escala é por volta de 10".
Eu tinha dois excelentes braços mighty mite aqui e essa também foi uma das razões de comprá-la. O problema foi que quando cheguei em casa, percebi que o tróculo da V6 é cerca de 2mm mais largo que o padrão Fender. Isso é muito ruim e é comum nas guitarras chinesas.
Poderia ter devolvido, mas, já que o braço original era muito bem feito, confortável, etc., resolvi adaptar o headstock para o padrão Fender, colocar o logo (deixei o selo original atrás do headstock pra ninguém achar que é uma Fender de fato). Não sei porque ainda faço isso - no momento que os braços não bateram, era pra ter desistido! Minha paciência tá no limite - dessa vez enviei o braço para o meu luhtier cortar o headstock. Só finalizei em casa com um logo "oficial" da Crox Guitars e acabamento com Tru-Oil (dica fantástica do João Vítor)
O braço original entretanto, tem um ótimo encaixe, talvez por isso mais uma vez passei pelo processo de mexer no headstock. A ponte é excelente (selo prata de qualidade LPG), mas o bloco é de zinco.
Encomendei com o Manara um de aço:


Troquei o escudo para mint green - mais "60's" :). A V6 ficou assim depois de modificada:



Bem, agora finalmente tenho uma strato "lipstick" digna. Timbre fantástico, clássico de lipstick: muito similar mas sem o ataque e extrema definição dos single coils com pinos de alnico. As tarraxas são excelentes. Troquei os saddles "bent" de aço Wilkinson por saddles de bloco, também de aço, da GFS. Antes que perguntem: eu tinha um braço de tremolo Wilkinson de outra ponte aqui em casa. Não uso tremolo, mas coloquei nessa porque o visual exigia :).

___________________@@@@@@_________________________


PS: Por favor, perguntas do tipo "você acha que vale a pena a Vintage tal, etc..." são redundâncias. O post (esse, o das outras Vintage e os das SX, Cort, Fender, etc.) fala por si só e é pra vocês tirarem suas próprias conclusões. Se não há certeza absoluta nem nas top de milhares de dólares, imaginem nessas.
Leia, compare, raciocine e conclua.

PS2: Como o tempo anda escasso, não deu pra fazer uma demo do som dela, mas é bastante parecido (a minha tem um pentelho a mais de ataque/punch) com o desse vídeo:




sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

1.000.000 de acessos! (e entrevista com Sérgio Rosar)

Paulo May & Oscar Isaka

Um milhão!
Agora em janeiro completamos um milhão de acessos ao blog e, conforme prometido, preparamos um vídeo com uma entrevista com o Sérgio Rosar.

Um milhão de acessos até pode ser pouco para blogs de moda, esportes, pornográficos, etc., mas para um blog só de guitarra, tá mais do que bom!
Obrigado a todos vocês. Alguns, que nem precisamos citar, consideramos verdadeiros parceiros de trabalho.

Fizemos um pequeno vídeo comemorativo :)




...E aqui está o vídeo que vai apresentá-los pessoalmente ao mestre dos captadores, Sérgio Rosar:

 Site Sérgio Rosar



Desde o início do blog, a presença, direta ou indireta do Sérgio, é uma constante. Seus fantásticos captadores, feitos aqui em Floripa, estão no mesmo patamar dos melhores e maiores fabricantes mundiais. Há tempos estávamos tentando convencê-lo a nos dar uma entrevista mas dessa vez ele não pode negar :)

Contatos & links:
 sergiorosar@sergiorosar.com
https://www.facebook.com/sergiorosar
http://www.sergiorosar.com/


segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Leo Fender e a história do show de Placentia em 1947

Paulo May

          Depois de ler tantos livros sobre guitarras, história da Fender, Gibson, etc., está claro pra mim que o verdadeiro criador da guitarra elétrica moderna é Paul Bigsby (e olha que eu ainda nem li o livro sobre ele - veja as fontes no final do post) e não Leo Fender.
Les Paul, então, nem pensar. Ele nunca chegou perto disso e a Gibson Les Paul Model é filha legítima do presidente da Gibson na época, Ted McCarty. Les Paul é, no máximo, "padrinho" dela...

Semana passada eu estava lendo (pela segunda vez) o livro "Fender: The Inside Story" do (antigo diretor da fábrica) Forrest White e por causa de um trecho onde ele comenta sua visita pessoal à oficina de Paul Bigsby na cidade (próxima de Fullerton) de Downey e cita em seguida uma carta de Merle Travis contando o episódio de Placentia, fiquei curioso e fui no Google Maps para checar a distância entre Fullerton, Downey e Placentia. Nesse momento, me lembrei que nessa época Les Paul morava em Los Angeles. Para minha surpresa, as quatro cidades estão todas numa raio de cerca de 50 km. Aí juntei os meus livros, liguei alguns fatos e datas e descobri algumas coisas muito interessantes. Pra escrever tudo isso foi um trabalho danado, mas me senti na obrigação de dividir com vocês.

Vamos à história:




          Merle Travis (1917-1983) era um conhecido cantor e guitarrista de "Country & Western" que fez sucesso entre décadas de 40 a 60 do século passado. Um de seus hobbies era motociclismo e foi através dele que conheceu Paul Adelburt Bigsby (1899–1968), ou "P. A. Bigsby" hoje famoso pelo vibrato que recebeu seu nome, mas na época um habilidoso e genial engenheiro de motos (vide história da Crocker Motorcycles) e luthier.

Em 1947, Merle pediu a Bigsby que lhe fizesse uma guitarra elétrica mais prática, eficiente e com mais sustain. Sugeriu várias coisas, entre elas o desenho do headstock e tarraxas em linha. Bigsby já tinha experiência com guitarras tipo "pedal e lap steel" e em duas semanas entregou a guitarra para Travis, com seu nome (Bigsby) incrustado em madrepérola no headstock e o de Merle Travis no escudo de rosewood.
A guitarra pode ser vista numa das poucas fotos coloridas de Travis na época:


Paul Bigsby fez a guitarra toda de birdseye maple, com braço tipo "through body" esculpido direto no corpo semi-sólido, laterais coladas, escala de rosewood e captador "single blade". Tudo feito à mão, inclusive as peças de metal. A parte de trás foi fechada com uma peça de plástico/bakelite branco.
Seguem várias fotos com detalhes da guitarra:

Tecnicamente, uma guitarra (semi) sólida esculpida com "câmaras". Um tipo de construção utilizado nas Rickenbaker até os dias de hoje. A ideia de passar as cordas através do corpo foi genial e esse detalhe, somado ao padrão do headstock com seis tarraxas em linha foi copiado pelo Leo Fender.

Fotos da parte de trás:


         Leo Fender conhecia Merle Travis e Paul Bigsby. Na verdade, Leo morava em Fullerton e Bigsby em Downey, cidades separadas por apenas 27 km. Segundo declaração escrita do próprio Merle Travis, no final de 1947, num sábado, Leo Fender foi de Fullerton até outra cidade próxima (apenas 5,3 km), Placentia, para assistir ao show de Cliffie Stone com Merle Travis. Essas três cidades ficam numa região perto de Los Angeles conhecida como "Orange County", na época grande produtora de laranjas.

É fato, portanto, que Leo Fender e Paul Bigsby eram praticamente "vizinhos": Veja a região do mapa da califórnia:


Após o show, Leo pediu a guitarra de Merle "emprestada" por uma semana porque queria construir uma igual. Merle emprestou  e na outra semana, Leo trouxe uma guitarra semelhante, obviamente não tão bem acabada, com corpo também semi sólido, braço parafusado e com 3 tarraxas de cada lado. Segundo Travis, uma "boa e eficiente guitarra"... Mas a história desses dois para por aí, por enquanto.

A guitarra Bigsby de Merle Travis fez muito sucesso na época e obviamente vários guitarristas correram até Paul Bigsby para que ele lhes fizesse uma cópia. Mas Bigsby tinha uma personalidade singular, fazia tudo sozinho, manualmente e não tinha muita paciência para produções em série.

Fez algumas guitarras para uns poucos músicos famosos e chegou a montar uma pequena fábrica em 1949, inclusive com publicidade:




Paul "P. A." Bigsby.

Propaganda da guitarra Bigsby. No final, o tremolo Bigsby fez tanto sucesso que a empresa abandonou as guitarras e concentrou-se apenas nele.

O que Leo Fender fez, na verdade, foi aperfeiçoar e simplificar o projeto de Paul Bigsby. Leo Fender era um gênio, mas à sua maneira. Ele tinha o dom de descobrir os problemas técnicos e de produção dos equipamentos e instrumentos. Percebeu que a guitarra de Bigsby era complicada de manufaturar, principalmente devido ao trabalho de "escultura" do braço e corpo e optou por uma versão final totalmente sólida com braço parafusado. Melhorou o captador e fez uma guitarra muito mais fácil de construir e tão ou mais eficiente: a Broadcaster (mais tarde Telecaster), que foi apresentada ao público pela primeira vez na NAMM de 1950. Leo Fender sempre colocava como prioridade o aspecto prático e funcional de seus produtos. "Simples, funcional e fácil de fazer e consertar" era seu slogan pessoal :)

A Fender relançou há algum tempo uma cópia Custom Shop do primeiro protótipo da Broadcaster/Telecaster. Provavelmente similar ao que Leo Fender fez para mostrar a Merle Travis. É importante observar que os dois primeiros protótipos (o primeiro com 3 tarraxas de cada lado e um shape de headstock conhecido como "snakehead" e o segundo já com as tarraxas em linha) eram, assim como a Merle Travis de Bigsby, semi acústicas, ocas (segundo declaração do próprio George Fullerton). A terceira versão já foi totalmente sólida e com corpo de swamp ash e não de pinus, porque Fender percebeu que a totalmente sólida tinha ainda mais sustain.
Broadcaster, 1º protótipo (cópia atual)


Broadcaster, 2º protótipo (original - guardada por George Fullerton)


O sucesso da Telecaster, que podia ser encontrada em lojas, ao contrário das Bigsby que dependiam do humor de Paul, foi o início "oficial" da história da guitarra elétrica moderna.
Mas Paul Bigsby jamais poderá ser esquecido, Ele inventava. Leo aperfeiçoava (às vezes tanto que criava de fato algo novo, como o tremolo da stratocaster, tecnicamente superior ao Bigsby).

Sobre a questão do headstock, Leo nunca abriu mão. Ele sempre declarou que o headstock da Stratocaster, tão semelhante ao da Bigsby/Merle Travis, foi baseado em alguns modelos de guitarras acústicas da europa oriental (Croácia) que ele havia visto em um livro. O guitarrista de steel guitar "Speedy West" confirmou a Forrest White a história e disse que tinha certeza que Merle Travis havia visto o desenho daquele headstock no mesmo livro.

Então ficamos assim: os headstocks da Merle Travis e da Stratocaster são baseados em antigos violões da Sérvia/Croácia e ponto final...




Uma breve pesquisa na internet nos revela uma série de fotos, algumas do século 19, de instrumentos de corda da região da Sérvia e Croácia, chamados geralmente de "Tamburitza/Taburica". A maioria têm o famoso padrão de headstock com seis tarraxas em linha utilizado por Paul Bigsby e Leo Fender.


Encontrei várias fotos antigas de grupos folclóricos sérvios e croatas (até nos EUA) com tamburitzas. Na foto acima, um grupo de Ohio. Na foto abaixo, elas na capa de uma edição da "Guitarmaker". Portanto, o design é anterior ao de Merle Travis.




E Lester William Polfus, vulgo Les Paul, onde entra nisso? Pois é, a história é mais interessante ainda...

...É fato que por volta de 1941 Les Paul tentou aumentar o sustain de uma guitarra elétro acústica prendendo o braço e as laterais de uma Epiphone em um bloco de Pinus sólido central, onde colocou dois captadores bem primitivos. Ele chamou essa guitarra de "The Log" ("O Toco"). Les notou uma evidente melhora no sustain e diminuição da microfonia - os dois maiores problemas das guitarras elétricas da época. Em 1946 ele tentou convencer Maurice Berlin, presidente da CMI (Chicago Musical Instruments - conglomerado que controlava a Gibson desde 1944) a aperfeiçoá-la e produzi-la comercialmente, mas ele recusou, sem hesitação.
Eis a "The Log":

The Log - 1941/42

O toco de Les Paul era na verdade uma enorme guitarra acústica com o centro sólido. Estava bem longe de ser uma guitarra elétrica moderna como conhecemos. Em seguida ele criou a "Clunker", ainda grande, com cara de acústica mas um centro sólido não aparente (interno) e uma placa de metal por cima. A Clunker era outra Epiphone "tunada" :).
Com a Clunker, mas não necessariamente por causa dela, Les Paul começou a fazer sucesso. A Clunker provavelmente foi finalizada após sua mudança para Los Angeles em 1943, para acompanhar Bing Crosby. Ela aparece em várias fotos após 1943 e nela há um detalhe que quase ninguém percebeu: o captador da ponte é um single blade Paul Bigsby. Analise a foto da Clunker:
"Clunker"

Mas o ponto crucial aí não é a guitarra, o início das gravações multi pistas/multitrack ou do próprio crescente sucesso de Les Paul. É o fato dele ter ido morar em Los Angeles, a apenas 21,5 km da cidade de Downey, onde morava Paul Bigsby e a 41,3 km de Fullerton, onde estava Leo Fender.
Incrível! Esses três homens que fizeram a história da guitarra moderna estavam, na mesma época, tecnicamente no mesmo local!
Não por mera coincidência, Paul Bigsby estava no epicentro dos acontecimentos, em Downey... :)


          Les Paul já admitiu em entrevistas que conheceu ambos nessa época e o captador da Clunker é prova disso.
Seu contato com Bigsby, entretanto, era muito maior do que a história conta: Les Paul sofreu um sério acidente de carro em Oklahoma em 1948 - quebrou vários ossos, entre eles o cotovelo direito. Ficou quase um ano e meio "de molho", apenas fazendo experiências com gravações multitrack (foi o engenheiro Jack Mullen quem de fato construiu o primeiro Ampex Model 200, Les usava vários gravadores comuns de rolo somando tomadas entre eles), captadores e guitarras.
Nesse período aproximou-se ainda mais de Paul Bigsby, que construiu uma guitarra sólida pequena e mais leve para que ele pudesse tocar com o braço engessado. Les nunca mencionou essa guitarra e chegou a negar a sua ligação com ela, porém teve que voltar atrás e admitir que realmente a possuiu, porque no template do corpo há (claramente) a sua assinatura pessoal:


Essas fotos acima são do protótipo feito por Paul Bigsby para Les Paul, por volta de 1948. O protótipo e o template assinado por Les Paul só foram descobertos/encontrados em 1999, quando a companhia Bigsby (que na época estava em Kalamazoo) foi vendida por Ted McCarty (sim, o antigo presidente da Gibson que criou a Les Paul e a ponte Tune-o-Matic - já chego nele...) para a Gretsch.

Les Paul finalmente então admitiu que assinou o template, recebeu a guitarra de Bigsby, "brincou" um pouco com ela e colocou-a num canto. Ela voltou para New Jersey com ele e lá um dos seus vizinhos "pode tê-la guardado".
Há poucos anos um homem (que prefere manter-se no anonimato) comprou essa guitarra da foto abaixo em New Jersey (onde Les Paul morava nos últimos anos até sua morte), numa "garage sale" bem perto da rua de Les Paul:


"Bigsby Les Paul" original, com um captador P90 colocado, provavelmente, pelo próprio Les Paul"

Então...Até o hamster aqui de casa concluiu que essa guitarra era de Les Paul. O template assinado por Les sugere que ele queria de fato um corpo daquele tamanho e foi decisão sua, não de Bigsby, que por sinal tinha mais bom gosto...

Até agora, só vimos guitarras feias de Les Paul (não tô querendo desmerecer o homem, mas só fixar nos fatos e fotos da época). Então, como ele chegou nessa beleza da foto abaixo, de uma hora pra outra? :


Resposta: Gibson! Quem fez essa guitarra foi a Gibson, sob supervisão e interferência pessoal de seu presidente na época, Ted McCarty. Segundo McCarty, a Gibson acompanhou o estrondoso sucesso da Fender com sua Telecaster durante um ano e no final de 1951 resolveu construir sua própria "solid body".

Duas coincidências trouxeram Les Paul para esse projeto: em 1951 ele e Mary Ford eram os artistas de maior sucesso nos EUA, inclusive com um programa semanal na TV. O presidente da CMI, que controlava a Gibson, Maurice Berlin, lembrou: "esse cara que tá estourando nas rádios é o maluco que esteve aqui em 1946 com aquela guitarra estranha".
Ted e Maurice acharam que seria uma excelente jogada de marketing associar Les Paul à guitarra. Entraram em contato, discutiram os royalties (5%) e Les disse que queria ver a guitarra para "aprová-la". A guitarra que Les Paul viu pela primeira vez - e foi levada até ele em uma casa de campo/estúdio na Pensilvânia pelo próprio McCarty já era (quase) essa da foto acima. O top ainda era flat, não tinha os frisos no braço, a ponte provavelmente era do tipo da ES335 e não era dourada. Les Paul gostou mas solicitou que pintassem o top de dourado, porque o dourado passava uma ideia de "rico, caro, soberbo" e mudou a ponte do tipo ES-335 para o modelo "trapézio".
Detalhe da ponte de uma ES-335 de 1950 (se tivessem mantido essa ponte na LP original, a entonação e tocabilidade seriam muito melhores):

Das exigências de Les, o dourado, tudo bem, mas a mudança da ponte praticamente inutilizou a tocabilidade das Les Paul lançadas no primeiro ano (a LP foi lançada oficialmente em julho de 1952). A Gibson desenvolveu a guitarra inicialmente com pouca angulação do braço e quando as cordas passavam por cima da ponte tipo trapézio, a ação ficava extremamente alta. A solução emergencial foi passar as cordas por baixo, comprometendo a entonação e impedindo o "palm mute". Isso foi corrigido em 1953 com o aumento do ângulo do braço e substituição da ponte trapézio por uma stoptail/stopbar única, angulada para melhor (mas ainda não ideal) entonação.

Em 1955, finalmente a Gibson/McCarty desenvolveu a ponte Tune-o-Matic (a patente é dele)

Em suma, Ted McCarty e uma equipe de não mais do que cinco empregados da Gibson desenvolveram uma das mais clássicas guitarras de todos os tempos e no final Les Paul colocou o nome e fez uma alteração técnica ruim. McCarty relatou que os testes com madeiras foram intensos e longos, mas a melhor combinação acabou sendo o corpo e braço de mogno, escala de jacarandá brasileiro e top de maple. Maurice Berlin sugeriu o top escavado tipo violino porque acrescentaria mais "classe" e beleza e aumentaria a diferença de sua competidora simples e despojada, a  Fender Telecaster.
Les Paul só aceitou o top escavado porque certamente não queria contrariar Berlin, mas a maioria de suas LP pessoais eram com tops flat. Outro fato que corrobora a fraca participação de Les Paul na síntese da guitarra que levava seu nome eram as modificações que ele frequentemente fazia em seus modelos, com captadores de baixa impedância, elétrica, trastes, etc.

Les Paul (com Ted McCarty) na Gibson: ele só ia na fábrica para fotos publicitárias - nunca participou diretamente dos projetos.

A LP Custom "Fretless Wonder" foi outra cuja cor foi sugerida por Les porque com "uma guitarra e smoking pretos, todo mundo vai prestar atenção nas mãos do guitarrista". :)

Em 1957, Seth Lover criou o Humbucker PAF(a pedido de McCarty), em 1958 os tops passaram a ser figurados com pintura sunburst e o final da história todos conhecemos...

          Mas esse post era pra acrescentar alguns fatos extremamente relevantes não sobre o final mas sim o início da história da guitarra sólida. Fatos claros comprovam que Leo Fender e Les Paul tiveram em suas mãos guitarras de Paul Bigsby anos antes da Telecaster e da Les Paul e que suas guitarras tinham alguns elementos estéticos e técnicos das guitarras de Bigsby.

Não acredito que houve, em nenhum momento, intenção de plágio. Mas nessa história o personagem central é, sem sombra de dúvida, Paul Bigsby. Leo Fender? Tão importante quanto: ele pegou a ideia de Bigsby, aperfeiçoou-a e popularizou a guitarra elétrica, criando a ainda hoje fantástica e maravilhosa Telecaster, com sua simplicidade brutal. Ted McCarty? Um injustiçado. A "Era McCarty" (1950-1966) foi a melhor de todos os tempos da Gibson e sua Les Paul, complexa e cheia de classe, é o contraponto perfeito da Telecaster. Essas duas guitarras (coloco também a Stratocaster, que só nasceu em 1954) foram o fundamento de todas as outras que surgiram. Les Paul? Tem seus méritos, mas eu acho que o principal é que ele estava no lugar certo na hora certa.


PS: Ted McCarty comprou a Bigsby em 1966, após sair da Gibson, fechando curiosamente o nosso círculo de personagens... :)



Fontes:
Livros:
Fender: The Inside Story (Forrest White)
50 Years of the Gibson Les Paul (Tony Bacon)
Six Decades of the Fender Telecaster: The Story of the World's First Solidbody Electric Guitar (T. Bacon)
The Les Paul Guitar Book (Tony Bacon)
Million Dollar Les Paul: In Search of the Most Valuable Guitar in the World (Tony Bacon)
The Fender Telecaster (A. R. Duchossoir)
The Fender Stratocaster (A. R. Duchossoir)
Interactive Gibson Bible (Dave Hunter)
The Guitar Pickup Handbook (Dave Hunter)

Esse eu ainda não tenho mas consegui vários trechos na internet:
The Story Of Paul A. Bigsby: The Father Of The Modern Electric Solidbody Guitar (Andy Babiuk)

Internet:
THE BIGSBY FILES (Deke Dickerson)
Antique Vintage Guitars Info
House Of Twang (Gerard Egan)
Wikipedia
Google Maps