(obs: antes de fazer perguntas e ou postar comentários, leia aqui: CLIQUE)
Nos meus antigos tempos de banda... :), eu tocava com as minhas Telecaster 1968 e Custom 1974, feliz da vida, achando que todas as guitarras tinham a mesma qualidade. Meu primo era o segundo guitarrista e em 1984 ele comprou uma Fender Stratocaster americana 1983 novinha.
Por incrível que pareça, sempre achei o som dela muito ruim (talvez por isso só tenha decidido ter uma strato em 2004) e ela tinha duas peculiaridades que me deixaram curioso por anos: o "jack" de saída (onde ligamos o cabo) era colocado direto no escudo, sem aquela "canoa" de metal típica. A ponte era flutuante, mas não existia a abertura na parte de trás! Além disso, o braço de maple era muito grosso, bem inferior em qualidade e acabamento que os braços das minhas teles.
Veja uma dessas stratos made in USA de 1983:
Agora, depois de vários livros e artigos sobre a história da Fender, aprendi que 1983 foi um ano particularmente "negro" para as guitarras Fender. A CBS exigiu corte dos custos de produção e a saída foi essa strato aberrante, com uma ponte estranha, o "Freeflyte" tremolo:
Não é nem questão de funcionalidade do tremolo, mas a ausência de um bloco de inércia e a grande proximidade das molas e do prendedor delas (tremolo claw) dos captadores com certeza modifica o som deles. Quanto mais metal perto dos ímãs e bobinas de um captador, maior a indutância, que pode até elevar um pouco o nível de saída, mas abaixa a frequência de ressonância, ou seja, diminui os agudos. Duvido que eles tenham criado captadores especiais para compensar esse efeito...
Como se não bastasse, alguém da CBS veio com a brilhante idéia de "modernizar" as cores. Que tal essa strato made in USA 1983, com ponte freeflyte e pintura estilo mármore?
E tem gente que vende essas stratos como "raridades". Um dos truques usados é chamá-las de guitarras da "Era Dan Smith". Não quer dizer nada e imagino que o próprio Dan Smith não ficou satisfeito.
Bem vamos ver então o que aconteceu na Fender nesse período de 1981-1985, onde foi criada a "Fender Japan" e a CBS acabou vendendo a marca Fender para os seus próprios funcionários.
Cronologicamente:
1 - Anos 70: Gibson e Fender nas mãos de inescrupulosos capitalistas (Norlin e CBS, respectivamente) têm ambas uma grande queda na qualidade de seus produtos (mas não de preços).
Paralelamente, os japoneses (Tokai, Greco, etc.) evoluem em suas cópias e no início dos anos 80 o dólar valoriza-se demais. Prejuízo das americanas e queda da exportação.
2 - Em 81 a CBS contrata Bill Shultz e Dan Smith para administrarem a Fender, ambos ex-funcionários da Yamaha. A solução frente à competição japonesa e ao câmbio desfavorável foi criar a "Fender Japan" (março de 1982) com os 2 maiores distribuidores de lá (Yamano e Kanda Shokai). A empresa recém criada contratou a Fuji Gen-Gakki (IBANEZ) para fabricar as Fender. Com o dólar alto, a exportação era inviável - a idéia então era usar o Japão como exportador (exceto para os EUA - volto a esse detalhe depois). Nesse meio tempo, a Fender iniciou um processo de "volta às origens", para melhorar a qualidade de suas guitarras. Chegaram ao absurdo de comprar guitarras e baixos Fender vintage para reaprender o processo (gastaram US$ 5.600 para comprar um Precision Bass 1957, um Jazz Bass 1960 e uma Stratocaster 1961).
Quando chegaram aos EUA as primeiras guitarras Fender japonesas (as strato eram baseadas nas 57), segundo palavras do próprio Dan Smith, o pessoal da Fender quase chorou. A qualidade era excepcional. Tudo o que eles estavam tentando fazer estava ali na frente deles e... vinha do Japão! :)
Veja um exemplo da guitarra que impressionou a própria Fender:
3 - Então, a situação era essa: Fender USA continuava produzindo para os EUA e a Fender Japan para o resto do mundo (todas feitas pela mesma fábrica da Ibanez e com o "Made In Japan"). Mas mesmo nos EUA, o custo era alto e a CBS exigiu cortes, gerando guitarras muito ruins nesse período. As piores Fender USA jamais feitas são dessa época, ppte 1983. A CBS resolveu competir com os japoneses que estavam entrando com força nos EUA e passou a vender as Fender japonesas lá também, mas com a marca "Fender Squier" e headstock estilo anos 70, para não haver competição entre eles mesmos.
(Observe que, essas primeiras Squiers vendidas exclusivamente nos EUA e com headstock estilo anos 70 ainda eram guitarras muito boas - e geralmente o selo "Squier" era pequeno e o "Fender" grande - , diferente das Squier que em seguida passaram a ser exportadas para o resto do mundo)
4 - Em novembro de 1984 (em 1986 a Norlin também vendeu a Gibson), um grupo de investidores liderados por Bill Schultz comprou a Fender da CBS. Na verdade, comprou a marca "Fender", já que a fábrica não estava incluida. Sem fábrica nos EUA, a Fender passou a depender inteiramente da produção japonesa.
Entre o final de 1984 até meados de 1986, 80% das Fender vendidas nos EUA vinham do japão.
Convém observar que, a partir de 1984, com a necessidade do aumento da produção japonesa para suprir o mercado dos EUA e resto do mundo, houve uma certa queda da qualidade e grande parte das guitarras japonesas para "exportação" tinha corpo de basswood (atenção) e acabamento em poliuretano.
ATENÇÃO: "Nenhuma Fender foi produzida nos EUA entre janeiro e outubro de 1985".
Quando a Fender voltou a produzir normalmente - e isso foi muito gradual - o interesse na produção de alta qualidade do japão diminuiu e, ao mudar de fornecedor, por força de contrato, as novas guitarras não poderiam mais usar o "made in japan", apenas o "crafted in japan", ppte a partir de 1996/97.
Com o dólar já competitivo, em 1985 a Fender autoriza outros fabricantes (ppte Coréia) a produzirem uma segunda linha, sempre denominada "Squier". A exportação japonesa diminuiu muito mas manteve-se por um bom período sem o "Squier".
A competição cada vez mais acirrada obrigou uma queda de preços e qualidade. Portanto, a Squier hoje em dia é isso que vemos: feita na China e é uma guitarra "barata" sob todos os aspectos.
Concluindo: as Fender Made in Japan, principalmentete do período entre 1982 (ou antes) e 1984
(identificáveis com o "Made in Japan" seguido por JV + 5 números), estão entre as melhores Fender de todos os tempos (lembre-se: elas quase fizeram o Dan Smith chorar... :) ). Se conseguires uma dessas, teoricamente a única coisa que pode ser melhorada são os captadores (é de consenso geral que os captadores japoneses, mesmo das melhores guitarras, não eram superiores aos Fender americanos)
O oposto ocorre com as Americanas entre 1980 e 1984: são na maioria de qualidade inferior, principalmente as Standard 1983.
Vídeo de uma "JV" de 1983
É possível encontrar excelentes Fender "Crafted In Japan" (e também "Made In Japan", porque a Fuji continuava produzindo uma parcela) mas provavelmente sem a mesma qualidade feitas pela Ibanez (Fuji Gen-Gakki).
A Fender Japan produz atualmente guitarras de alto padrão mas apenas para o mercado interno. Eventualmente, uma ou outra série especial é exportada. A Telecaster da Fender Japan TLR-RK (modelo Richie Kotzen) só é feita lá, por exemplo.
Essa questão "Made" ou "Crafted" in Japan é algo controversa, assim como as Squiers (antigas e atuais). O meu texto baseou-se nos livros sobre a Fender e Strato do Tony Bacon e A. R. Duchossoir, além do excelente site: http://homepage.ntlworld.com/john.blackman4/index.htm
Link de datação da própria Fender: http://www.fender.com/en-BR/support/articles/japanese-instruments-product-dating
Fique à vontade para acrescentar e/ou corrigir.
15/05/2017: O Aderson Bastos acrescentou também esse excelente link:
http://www.21frets.com/squier_jv/jv_quick_guide.htm
PS: ATENÇÃO: O pessoal tá fazendo muitas perguntas sobre o tipo de madeira de suas MIJ ou CIJ ... No post, tá bem claro que é difícil saber. Geralmente as séries iniciais (JV principalmente) de 82 a 84 eram de alder e algumas séries especiais (modelos "vintage") também. De resto, é quase tudo basswood.