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sábado, 23 de novembro de 2013

Fender "MADE IN MEXICO" / MIM

Paulo May

(obs: antes de fazer perguntas e ou postar comentários, leia aqui: CLIQUE)
       

         Muita gente já perguntou, discutiu e até (quase) brigou por causa dessas guitarras aqui no blog. Achamos que era hora de um post específico, até porque já falamos sobre as Fender MIJ/Made In Japan anteriormente (CLIQUE). Afinal, o que são as Fender "MIM" (Made In Mexico)? Qual a diferença entre elas e as outras Fender e principalmente, vale a pena investir numa guitarra dessas?

Começando pela última pergunta, sim e não! :)  Eu tenho uma Cabronita MIM, com corpo de 3 peças de alder e um braço excelente de maple que é maravilhosa e paguei um preço bem justo por ela. Mas jamais terei uma Telecaster ou Stratocaster MIM modelo "Standard" - e já explico por que...

Antes, um pouco de história (as datas ainda precisam de um checkup final): A Fender mantém uma fábrica no México desde 1987. Em 1989 iniciou a produção de guitarras, mas aparentemente apenas o acabamento dos corpos era feito lá. Na década de 90 houve um incêndio e uma fábrica maior foi (re)construída em Ensenada, no estado mexicano da "Baja California/BC" 
Nem preciso dizer que a proximidade com a California e o baixo custo da mão de obra mexicana foram fatores determinantes e técnicos para a existência de uma fábrica no México.

A fábrica de Ensenada é muito bem equipada, com maquinário moderno e know how "Fender". As madeiras, na maioria, são originárias dos EUA... E notem que a mão de obra mexicana/latina é dominante na Fender americana desde o início, nos anos 50. Nomes como Tadeo Gomez e Abigail Ybarra são lendas!
Então, por que a Fender feita no México é inferior, se máquinas, madeiras e mão de obra são praticamente os mesmos? A resposta é puramente econômica: a Fender precisa competir no mercado e tem que produzir guitarras de baixo (México) e muito baixo (China/Squier) custo.

Então mesmo tendo capacidade para produzir excelentes guitarras em sua fábrica em Ensenada, a Fender "puxa as rédeas" de forma proposital para manter o custo de produção baixo. Essa é a hora que entra em cena a famosa "Fender Standard MIM",  (obs: Standard, com "d" no final - não existe o termo "Standart") com corpo de vários (às vezes 7!) pedaços de alder colados, acabamento de poliuretano, captadores cerâmicos, bloco da ponte de zinco, etc...

Fender Stratocaster Standard  Made In Mexico

Vejam bem a foto acima... Parece uma Fender de verdade, não? Quase... Os corpos das Fender americanas têm geralmente duas peças de alder, algumas linhas 3 peças e muito raramente, quase excepcionalmente, 4 peças. A Standard mexicana é um retalho só - na foto acima não dá pra ver as emendas porque uma folha fina de alder liso é colada em cima e embaixo no corpo.
Veja as fotos da fábrica de Ensenada e tente contar os pedaços:







Não vou entrar no mérito da questão da quantidade de emendas no corpo, até porque já discutimos isso várias vezes aqui. Na minha opinião - que não vai mudar, quanto mais colagens, maior a chance de perda de ressonância do corpo.
Exceto pela linha "Standard", entretanto, a grande maioria das outras linhas mexicanas são muito boas, algumas excelentes, como a "Telecaster Baja":





A Telecaster "Baja" e a Classic Player '50s Stratocaster foram criadas pelo Master Builder Dennis Galuszka e ele encarregou-se de ir pessoalmente até Ensenada orientar e fiscalizar a produção.
O Oscar postou recentemente uma outra boa strato produzida lá: (Clique). As "Black Top" também são MIM, assim como outras linhas e alguns lançamentos especiais esporádicos.

Uma Fender mexicana de linha diferenciada pode facilmente ser melhor do que uma americana da linha "American Special" , por exemplo. 
E, por favor, se tens uma Fender Standard MIM que adoras (e tem ótimo som, etc.)e estiveres lendo esse post, não se ofenda, mas esse modelo definitivamente não vale o que pagamos por ele aqui no Brasil.

Então, atualmente o macete é: Evite a linha "Standard". Quanto às demais MIM, se o preço for legal, a guitarra muito provavelmente é boa... Ou ótima! :)

Em tempo (e obrigado à lembrança de um leitor): a linha Fender "Modern Player" (foto abaixo) é feita na China


Linha Fender "Modern Player" chinesa


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PS: abreviações comumente utilizadas: 
  1. MIM: Made In Mexico
  2. MIJ: Made In Japan
  3. CIJ: Crafted In Japan
  4. MIC: Made in China
  5. MIK: Made in Korea
  6. MIA: Made in America
PS2: Para informações sobre o serial number de Fender mexicana:


quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Guitarra? "Só sei que nada sei!"

Paulo May

Essa guitarra NÃO soou legal:



 Essa guitarra soou PERFEITA!:


          "Só sei que nada sei" é uma expressão atribuída ao filósofo grego Sócrates e me veio à mente há dois dias, depois de mexer numa telecaster.
Toco guitarra há quase 36 anos e há pelo menos 6 venho estudando e tentando entender seus fundamentos físicos: estrutura, timbre, funcionalidade, etc... Seis anos... é um curso de medicina :) Já era pra eu ter dominado quase todas as nuances técnicas que determinam o timbre de um instrumento... Imagino que o Oscar já tenha passado pela mesma pane mental que sofri nessa terça-feira - se não passou, vai passar com certeza :) (Ele tá viajando e ainda não conversamos sobre isso).

Então, esse post vai servir para eu contar essa história e já avisar a todos que, pelo menos da minha parte, doravante não haverá conselho, dica ou orientação definitiva sobre guitarras. Não me perguntem sobre qual coisa combina com tal coisa, porque "só sei que nada sei" :). Se alguém perguntar, eu vou responder com esse link! KKK

Lembram-se do post dessa Telecaster de freijó? (CLIQUE) . 



O post é sobre a relicagem dela, mas no final comentei sobre a sonoridade, aquém do que eu esperava... Pois bem, há tempos venho pensando (atenção: pensando apenas. Não há nada à venda :) )em colocar à venda pelo menos dez ou quinze guitarras (tenho 40, eu acho) porque não há mais espaço aqui em casa. Boa parte delas é fruto das minhas experimentações e só tenho guitarra que eu gosto, por uma ou outra razão. Quando a guitarra fica ruim mesmo, é desmontada (por isso tenho também inúmeros corpos e braços por aqui).

A Telecaster de freijó foi uma das selecionadas para ir embora. Adorei o relic e sempre quis ter uma tele branca assim, mas cismei que o corpo de freijó não tinha o equilíbrio de frequências ideal e tratei de prepará-la para a venda...
Pensei: "É uma madeira que só vai soar bem com saturação, então vou deixá-la com timbre e tocabilidade modernos e manter o visual vintage". Coloquei um braço de maple/rosewood com raio de 14 polegadas, fino/sem muita massa, 22 trastes, cujo headstock foi modificado para telecaster. Frequência de ressonância: D# (teoricamente, deveria soar mais grave). O do post anterior, de maple da Mighty Mite tem FR em F# (portanto deveria ser mais agudo). Retirei a ponte Gotoh de latão (a minha preferida) e coloquei uma genérica ferrosa (zinco) totalmente vintage, com 3 saddles (que eu detesto). Tinha um captador clássico Rosar aqui, mas já que a guitarra seria "roqueira", coloquei um Rosar Dual Blade Twin Vintage T (toquei 10 anos com um Seymour Hot Rail e criei alergia a dual blades).
Então agora essa tele havia ficado com pelo menos quatro características que eu pessoalmente não gosto: corpo de freijó, raio de 14, ponte de 3 saddles e captador dual blade. Veja:


Assim que acabei a montagem, fui testá-la  - e só pra ver se tava tudo ok, pois tinha certeza que o som seria do tipo que eu não gosto, que não conseguiria afinar legal as oitavas por causa da ponte de 3 saddles, etc. etc. Foi nesse momento, que liguei a guitarra (tarde da noite - utilizo uma simulação do Fender Pro Jr e outra de Marshall/Slash do Amplitube como protocolo inicial de avaliação de timbre), que me transformei de "expert" em palhaço! :)
O timbre do captador da ponte veio lindo já no primeiro bordão... Toquei uns 30 segundos de queixo caído, passei para o do braço e ele estava soando pelo menos 50% melhor do que na configuração anterior. Mais estalo e dinâmica. A combinação dos dois, lindo timbre também... Putz!

Despluguei do computador e fui obrigado a ligar o amp (real) Mesa Boogie 5:25 pra confirmar... Arrisquei ser execrado pelos meus vizinhos, mas ela passou pelo teste novamente, inclusive no modo "classe A", que é crítico para as guitarras. 
Uma palavra define o que senti: "Vida". Mesmo com o dual blade, mesmo com a ponte de 3 saddles ferrosa, mesmo com o corpo de freijó, a guitarra tava soando viva, com um nível de resposta dinâmica, definição e timbre que só ouvi nas melhores guitarras.
E o mais ridículo veio em seguida: Consegui uma afinação de oitavas "digna" e plenamente funcional com 3 saddles, coisa que nunca havia obtido antes, nem com carrinhos compensados. 

Alguém lá de cima quis me punir pela arrogância e presunção e veio com 3 chicotes de uma só vez! :)

Claro que o single de alnico (Vintage Hot T) tem o ataque mais bonito e orgânico que dual blade (Twin Vintage T), mas descobri sutilezas nesse dual blade que achava impossíveis de existir. Ele tem identidade própria, porém mantém-se um servo fiel da Telecaster: o timbre clássico é respeitado, com um ataque mais rápido e presente e o bônus do silêncio noiseless... Satura maravilhosamente (é na saturação que ele realmente é magnífico), mantendo uma surpreendente definição das notas. 
Novamente me curvo à genialidade do Sérgio Rosar. E olha que esse captador já estava aqui em casa há mais de um ano. Quando me entregou o Twin Vintage, ele disse: "Sei que tu não gostas dos dual blades, mas se tiveres um tempinho, teste esse..." Putz!
Captador Sérgio Rosar Twin Vintage


         O que provocou tamanha mudança (pra melhor) do timbre? Braço? Ponte? Captador? A minha cabeça tá dando voltas e não encontra uma resposta definitiva e protocolar. Esse braço não deveria soar tão aberto, o dual blade deveria soar mais duro e desajeitado, principalmente pela ponte ferrosa e seria impossível afinar as oitavas com essa ponte. O braço é um fator muito importante pois houve uma melhora clara no timbre e resposta do captador do braço. Mas esse mesmo braço não soou bem numa tele de mogno, anteriormente.

Quem leu o outro post pode perceber que eu até intui nessa direção (mudança do braço, ponte ferrosa), mas não nessa proporção. Vários experts já mencionaram que nunca dá pra ter certeza absoluta da sonoridade final de uma guitarra, porém eu experimentei na prática uma improbabilidade completa, segundo meus critérios. 
Agora, diante dos fatos incontestáveis aos ouvidos e com meus critérios mais desvalorizados do que as ações do Eike Batista, só me resta mesmo parafrasear Sócrates...Com a diferença que Sócrates realmente sabia muito! :)

Eu tenho uma listinha de rascunhos de "próximos posts" - olhem só o título de dois deles:
"Minha Vida No Cárcere: 10 anos com Dual Blades" e "Quer sofrer? Ponte de Telecaster com 3 Saddles"
KKK! Quem diria...

Assim que tiver um tempo, gravo alguma coisa com ela pra postar aqui. Provavelmente vai estar num futuro grande post sobre timbre de Telecaster. 

Por enquanto, só sei que nada sei - ninguém me pergunte mais nada... O Jr. (Oscar) vai ter que se virar sozinho aqui! :)

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Comentários Pós-Post:

O Jr. me enviou um e-mail e suas considerações são perfeitas - resumem o que de fato deve ter acontecido:

"O que eu acho que pode ter melhorado:
1 - A ressonância do braço e do corpo "Casaram" perfeitamente e a guitarra acordou.
2 - A ponte vintage e os saddles de aço acentuaram o ataque e melhoraram a dinâmica
3 - O Twin Vintage é um cap muito legal!! :-) Com ponte ferrosa ele tem ATÉ um pouco de Twang!

1 - Sim, o braço e o corpo casaram perfeitamente. Mesmo com menos massa no braço, dá pra sentir o corpo de freijó vibrando, e bastante. Isso não ocorria com o braço de maple.
2 - Com certeza, e aqueles médios graves chatos e embolados sumiram.
3 - Isso que é o mais incrível: mesmo com duas bobinas, duas lâminas e uma barra cerâmica, o Twin tem Twang! :)

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Vídeo 31/12/13:



domingo, 10 de novembro de 2013

MOGNO DE FIJI - o que é e o que a Gibson anda tramando...

Paulo May

         Em primeiro lugar, MOGNO é foda! Peço perdão pela palavra, mas é a única que resume toda a minha estupefação com essa madeira.
O motivo desse post é criar pontos de referência para guitarristas, já que hoje em dia a palavra "Mogno" em guitarras pode significar muitas coisas - a maioria delas não tem nada a ver com o que deveria ser o verdadeiro mogno.
Desde criança eu sei disso... Móveis de mogno eram - e ainda são - os mais desejados e valorizados. Tudo que é de "Mogno" vale mais e isso vem desde a época das grandes navegações, a partir do século XV, quando os europeus passaram a explorar madeiras tropicais.

O Mogno é uma árvore tropical da grande família das MELIÁCEAS, gênero "SWIETENIA", subdividido em 2 espécies:

1) -  Swietenia Macrophylla (Mogno Hondurenho)


Esse é o mogno VERDADEIRO pra nós, guitarristas. Também conhecido como "Mogno Hondurenho", Encontrado desde o México até o norte do Brasil (à partir do Pará em direção ao noroeste e extremo norte, ppte). Na américa do sul, também Peru (maior exportador atualmente) e Colômbia. O ponto central é Honduras e Belize e aí é que a coisa pega: para instrumentos musicais historicamente o melhor mogno é o de Honduras e Belize (Gibsons clássicas, só pra focar). Por mais que eu ouça o pessoal daqui (até botânico) jurar que o mogno brasileiro é igual, na prática tenho sérias dúvidas.
Nem preciso falar do mogno dos nossos vizinhos, deixo para o mestre luthier Bill Collings:

Bill Collings
"A lot of Peruvian mahogany can get up to 4 pounds a board foot. What we try to do is look to the areas in Belize, Honduras and Guatemala where a lot of the mahogany was originally sourced in the ‘40s, ‘50s and ‘60s. Most of the mahogany is coming out of Peru, and many companies are so big that they are buying containers of mahogany, and in those you’re getting all kinds of stuff that we wouldn’t use because of the weight.(fonte: ToneQuest Magazine)



(Tradução livre: "Grande parte do mogno peruano pode chegar a quase 2kg por tábua de 30 cm. O que tentamos fazer é procurar por áreas em Belize, Honduras e Guatemala, onde a maioria do mogno foi originalmente obtido nas décadas de 40, 50 e 60. A maior parte do mogno está vindo (para os EUA) do Peru e muitas empresas são tão grandes que estão comprando containers de mogno de todo tipo - coisa que não usamos por causa do peso")

Humm... Então provavelmente é isso. O que deve rolar por aí nas guitarras (americanas) de baixo e médio custo é Mogno peruano cheio de silica (lieralmente, "pedra") e pesado, tão pesado que os fabricantes têm que fazer furos e cavidades no corpo para aliviar o peso.

A outra espécie é a 2) - Swietenia Mahogani, também conhecida como "Mogno Cubano" encontrada desde a Flórida até Cuba e em outras partes do Caribe. É inferior ao Hondurenho.
Há uma possível terceira espécie (Swietenia Humilis), mas não vamos considerá-la porque nem é explorada comercialmente.

 "MOGNO AFRICANO"

Antes de entrar nos mognos "Africano", "Filipino", "Chinês", etc., vamos revisar a botânica. A sequência de caracterização de uma planta é: 1) - FAMÍLIA   2) - GÊNERO  3) - ESPÉCIE.

O famoso "Mogno Africano" é da mesma família (Meliácea) , mas do gênero "KHAYA" e não "SWIETENIA".

A pegadinha aí é que os caras apelam e muitos fabricantes passam a chamar de mogno qualquer madeira similar e que pertença a família Meliácea. Daí não dá, né? O Cedro é também da mesma família...Acho que 70% ou mais das guitarras de mogno que tenho aqui em casa são do gênero "Khaya"...



Mogno Africano (Khaya Senegalensis)


         É óbvio que o mogno mais desejado para instrumentos é o Hondurenho, a Swietenia Macrophylla. Mas o mogno brasileiro é, tecnicamente, a Swietenia Macrophylla e, exceto talvez pelo de origem do extremo norte da Amazônia, não tem a qualidade do melhor mogno Hondurenho. Por que? Não sei, mas eu já tive acesso a (pelo menos) 10 guitarras de mogno brasileiro e nenhuma soou mais do que bem. A maioria apenas razoável e TODAS pesadas.
Aí entramos em outro problema: independente da origem e suposta qualidade histórica, o mogno varia imensamente de qualidade, mesmo o Hondurenho e até mesmo de árvores hondurenhas separadas por às vezes poucos metros. 

Há uma declaração de 2010 muito interessante do lendário Tim Shaw (já trabalhou na Gibson e agora está na Fender (fonte: ToneQuest Magazine): 
"Now,mahogany varies enormously…was down in Belize a few years ago, and there is the mahogany that everybody wants – the light-weight, wonderfully resonant stuff, and there is the butt-ugly stuff with all the white streaks in it that is four times heavier. It all comes from the exact same species, and all of it can come from trees growing thirty feet apart from each other."

(Tradução livre: "O mogno varia demais... Eu estava em Belize há alguns anos e lá há o mogno que todo mundo quer - leve e maravilhosamente ressonante e também aquela coisa horrorosa com estrias brancas e quatro vezes mais pesado. Todos vêm exatamente da mesma espécie e de árvores crescendo a 10 metros umas das outras") Nota: a silica deixa estrias esbranquiçadas no mogno.



  
Quanto mais minerais (silica principalmente) impregnados no mogno (e isso depende do solo, clima, localização da árvore, etc.), mais pesado e menos ressonante ele será. Vocês lembram daquela guitarra Les Paul chinesa que eu coloquei num RX e tinha mais de 140 furos no mogno?


 Ela pesava 4,5 kg com os furos... Imagine sem... Aquele mogno, que provavelmente era o KHAYA africano, tinha tantos minerais que tava quase virando pedra! :)

Na década de 50 - e eu quero focar aqui nas burst de 58/59/60 - a produção da Gibson era ínfima comparada com o que é hoje. Havia mogno hondurenho de sobra e eles podiam selecionar à vontade...Naqueles 3 anos de produção das Les Paul sunburst, o total não ultrapassou 1.800 guitarras.
Em 2007, a fábrica da Gibson produzia cerca de 325 guitarras POR DIA (2.275 por semana), sem contar a produção da Custom Shop. Então, concluímos que hoje é necessária uma enorme quantidade de mogno pra atender essa demanda. E uma conclusão leva à outra - de acordo com os experts, no máximo 10-20% do mogno disponível é "bom" (leve e ressonante) - então o mogno bom é desviado para as guitarras custom shop e o restante... Por isso sempre me recusei a comprar uma Les Paul Gibson com alívio de peso :).
Complicado, né? Se a Gibson já utiliza essa quantidade enorme de mogno, acrescente os outros produtores e tente imaginar o quadro geral/mundial do consumo dessa madeira - e eu tô falando só das indústrias de instrumentos musicais. Nem mencionei a moveleira...

Porém, por volta de 2009, a Gibson finalmente colocou em prática um plano secreto que ela vinha arquitetando há um bom tempo. Codinome: "FIJI"

A GIBSON E O MOGNO DAS ILHAS FIJI



        Recentemente fiquei sabendo que, desde 2009/2010 a Gibson só utiliza mogno das Ilhas Fiji, inclusive para a linha Custom Shop. Já sabia do mogno de Fiji e do interesse e envolvimento da Gibson nele, porém não imaginei que o utilizassem também nas Custom Shop - e isso foi depois de comprar a minha R9 2013! :)
Gibson Custom Shop 2013: Mogno de Fiji, Rosewood da Índia, top de eastern soft maple americano (fonte: Edwin Wilson, da Gibson Custom Shop)

Pra explicar o que tá rolando, preciso antes entrar um pouco na história:
Nas décadas de 40 e 50 (depois da segunda guerra), americanos e ingleses transferiram milhares de mudas do mogno hondurenho (Swietenia Macrophylla) para as Ilhas Fiji, no pacífico sul. Assim como Honduras, as Ilhas Fiji eram colônias inglesas, e isso quer dizer que britânicos e americanos ainda têm forte influência na política e economia dessas ex-colônias.
A maioria aqui já deve saber que a Gibson sofreu em 2011 uma blitz severa dos federais americanos e teve sua fábrica fechada e todo o seu estoque de rosewood de Madagascar confiscado, através do argumento do "Lacey Act", um tipo de lei ambiental americana que visa preservar espécies em vias de extinção. Segundo o maluco do Ted Nugent, foi uma conspiração do presidente Obama porque a Gibson (e seu presidente Henry Juszkiewicz) sempre apoiou os republicanos... :)

Henry Juszkiewicz

Henry Juszkiewicz é muuuito esperto e já tinha uma outra porta aberta: há anos a Gibson faz doações à uma ONG de âmbito mundial chamada "Rainforest Alliance", que visa a preservação da fauna e ppte flora de países do terceiro mundo, entre outras coisas. Henry é um capitalista de corpo e alma e obviamente há um interesse maior do que "ajudar a salvar o mundo" aí. Isso cai bem na mídia e essa ONG exerce forte influência nas legislações ambientais dos países sub e ppte dos desenvolvidos.
Henry utilizou seu aval da Rainforest Alliance para ajudar o governo de Fiji a estabelecer como "oficial" o plantio e comercialização do mogno fijiano.
Uma vez oficializado no país como "Protocolo Fiji Pure Mahogany", em 2012 (numa cerimônia que obviamente contou com a presença de Henry), o governo fijiano solicitou o reconhecimento da marca/produto em 28 países, entre eles, os EUA... KKK!  No final do post colei parte do texto publicado no Timber Trades Journal Online, mas quem quiser ler a notícia na íntegra tá aqui (clique)
Não preciso dizer que a Rainforest Alliance atestou que a produção do mogno fijiano é sustentável e está de acordo com suas normas ambientais.

Clique na imagem acima para ver um vídeo institucional sobre a maior produtora de mogno de Fiji

O que muita gente deve estar se perguntando agora é se esse mogno de Fiji tem a qualidade do mogno de Honduras/Belize. Tecnicamente, já que as mudas são originárias de Honduras, sim. Vários luthiers da Nova Zelândia, que conhecem bem esse mogno (pela proximidade geográfica com Fiji), atestam que é de alta qualidade e alguns mencionam que soa mais "aberto/agudo" que o hondurenho. Não tenham dúvida, a Gibson chegou primeiro e está garantindo pra si o melhor mogno de Fiji...

É isso. A Gibson tecnicamente conseguiu comprar um país pra produzir seu mogno.

Saiba mais sobre o mogno de Fiji (clique)
Pra quem gosta de conspiração e aventura, esse vídeo é interessante: :)




SITUAÇÃO ATUAL DO MOGNO BRASILEIRO

E, enquanto isso, o nosso mognozinho aqui do Brasil, cuja comercialização havia sido proibida está voltando à cena... O Ministério do Meio Ambiente, através da INSTRUÇÃO NORMATIVA N o 7, DE 22 DE AGOSTO DE 2003, passou a permitir a comercialização do mogno, desde que conforme as regras do "Plano de Manejo Florestal Sustentável", ou PMFS.

Mas quem lida com o mogno brasileiro/Swietenia Macrophylla, conhece muito bem o seu pior inimigo: a larva "Broca da Ponteira" (Hypsypyla grandella). A presença desse inseto é altamente nociva para o mogno.
Infelizmente a tendência atual dos produtores é de ignorar a permissão do plantio da Swietenia Macrophylla e investir no plantio de mudas do MOGNO AFRICANO (Khaya), já que este cresce mais rápido e é mais resistente à broca e ao clima.

É uma pena... Estamos trocando um mogno superior por outro inferior.
Pelo menos, daqui há alguns anos, quando começarem a vender "Mogno" no Brasil, quem leu esse post saberá que é o africano :)
Vídeo interessante:


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FIJI PURE MAHOGANI: (05/2012):
"New hardwood brand Fiji Pure Mahogany has been launched by the country’s prime minister to meet demand for a legal and sustainable mahogany.
One US hardwood company described the move as “important” to world lumber markets and which should make Fiji the world’s leading producer of legal genuine mahogany.
A launch ceremony in the country was attended by the US ambassador to Fiji Frankie Reid, Henry Juszkiewicz, chairman and CEO of Gibson Guitars and Pembroke Jenkins, past president of the US Hardwood Manufacturers Association.
Fijian prime minister Josaia Voreqe Bainimarama said the branding and mandatory compliance protocol process for Fiji Pure Mahogany would ensure sustainability, legality, and the socially responsible use of timber.
The brand is being filed in approximately 28 countries throughout the world, including the USA, to protect its intellectual property right. It is the first brand of its kind to be owned by a sovereign nation - Fiji.
It is intended to ensure compliance with numerous environmental laws, including the United States Lacey Act.
“Fijian mahogany is becoming a sought-after timber and is being differentiated from other lumber in the rest of the world,” the prime minister said.

“Increased exports of value-added goods and the licensing regime are the culmination of new thinking, focused attention and perseverance, amidst skepticism. We must all continue to work to see the potential here is realised.”??
The launch event was held at Sustainable Mahogany Industries’ factory in Fiji - the first company granted a license to use the Fiji Pure Mahogany brand.
It is using mahogany grades 1 and 2 to make bodies and necks for Gibson Guitars. Other applications for licences to purchase Grades 3, 4, and 5 are currently being reviewed.
Two years the government passed the Mahogany Industry Development Decree, which made Fiji Hardwood Corporation Limited a forestry management company, and established the Mahogany Industry Council to license mahogany purchasers and sawmill operators, and direct the development of the industry. "

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PS1: Eu estava me perguntando qual a similaridade geográfica/climática entre Honduras e Fiji e o Velhinho (Fabrício), amigo meu e do Oscar, que é especialista na área, deu uma resposta que vale a pena acrescentar ao post::

Fabrício Barbosa:
"Para qualquer empreendimento florestal tem que se analisar algumas coisas:
- solo
- declividade
- regime hídrico
- espécie que vai ser plantada
- distância do pólo consumidor
- mão de obra.

No caso da Gibson eu acredito que eles devem ter achado um solo muito parecido, ou senão igual ao de Honduras, além do clima pois tanto Honduras e Fiji ainda estão encobertas por florestas nativas, o que influi positivamente no regime hídrico.
Quanto a ser norte e sul o que vai ditar é que no hemisfério sul temos mais luz que o norte,e isso para florestas impacta diretamente no crescimento do povoamento. Só fazendo um paralelo, plantios de pinus no Brasil crescem quase 3 vezes mais rápido que na América do Norte. Traduzindo: a árvore cresce mais rápido, encurta o ciclo de crescimento e corta-se mais cedo uma árvore mais grossa. Atende-se a demanda crescente por madeiras de melhor qualidade em menor tempo. Parece óbvio mas não é...rs...
Há outras outras questões estratégicas: imagine você ter uma ilha à disposição para plantar, sem ter que concorrer com outros tipos de plantios, sejam florestais ou agrícolas. É quase como ter um sítio exclusivo para o teu plantio. (sítio no caso é o termo usado para definir o local do empreendimento florestal)
Some-se ao fato que Fiji deve ter muitas questões de facilidades de impostos, visto os acordos que você citou. Não iriam fazer isso se não tivessem encargos beeeem menores e várias facilidades aduaneiras.
A mão de obra provavelmente não deve ser muito mais cara, ou até no mesmo patamar que em Honduras. 
Também há o fato que Fiji deve estar muito bem amparada pela Forestry Stewardship Council - FSC, que é o órgão que regula as boas práticas florestais no mundo. Lembro de ter visto algo sobre a Gibson apoiando a FSC há alguns anos em plantios no norte dos USA.
Com tudo isso acredito que a Gibson, provavelmente, vai usar nos plantios de mogno o que é feito nos plantios de eucaliptos, principalmente: melhoramento genético.
Vão poder ao longo dos anos escolher as melhores árvores, coletar as melhores sementes e partir para a constância no plantio, sendo que como você bem citou, há muitas variações no mogno em plantios in natura. 
É o melhor dos mundos: um país distante, com solo, clima, declividade, etc bem atraentes, água e sol em abundância, com acordo comercial só para a sua companhia, com muitos benefícios e ainda poder explorar e melhorar o seu plantio ao longo do tempo, garantindo a continuidade da melhor madeira disponível.

Resumindo: esses goddamned fucking americans são muito bons em negócios e estratégias. Não dão ponto sem nó... "

É... Muita coisa faz sentido. Bem, acho que no final das contas, nós e que saímos ganhando. Sem novas e boas fontes de mogno, acabaríamos tendo que comprar Custom Shops de mogno Peruano! KKK!



quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Pra quem sonha em ser luthier...

Paulo May

OFICINA DE LUTHIERIA COMPLETA À VENDA

          Pois é, eu e o Oscar falamos tanto em Les Paul e me esqueci de contar que há uns 4 anos, depois de mergulhar profundamente na história e nos aspectos técnicos dessas obras de arte de Kalamazoo, pensei seriamente em tentar construir uma Les Paul nas especificações de uma 59.

Pesquisei muito e consegui encontrar um luthier na região que fosse apaixonado por Les Pauls e com habilidade para essa façanha. Era o Tiago Silva, de Brusque. Além do trabalho de luthieria, ele fazia templates de acrílico para guitarra (o Jaques Molina já comentou sobre isso numa das edições da Guitar Player).
Meu plano era selecionar pessoalmente  todos os componentes e madeiras e enviar para o Tiago construir a guitarra. Tinha (ainda tenho) quase tudo em mãos, inclusive um maravilhoso top de maple AAAA, mas ainda não havia conseguido uma peça de mogno que tivesse a qualidade do mogno hondurenho. Nesse meio tempo, suspeitando que tal mogno seria muito difícil de conseguir, acabei adquirindo uma Gibson R9 (a história tá no blog e vocês já conhecem), mas a ideia de fazer uma aqui, seguindo os padrões e métodos de 1959, ainda tava de pé...

...Até semana passada, quando recebi um e-mail do Tiago me dizendo que infelizmente estava abandonando a luthieria. Ele também é empresário e não estava mais conseguindo conciliar as duas coisas.
Fiquei triste, óbvio. Não apenas por mais esse revés no meu projeto da 59 mas também - e principalmente - pela perda de um excelente luthier. 


          Bem, esse blog obviamente não faz propaganda e nem anúncios pagos (e olha que muita gente tem tentado), mas como trata-se de um amigo pessoal, luthier e, como nós, apaixonado por guitarras, estamos abrindo esse espaço pra avisar que o Tiago colocou TUDO à venda. Oficina de luthieria completa e muito bem equipada, estoque de madeiras, peças e partes de guitarras em construção (modelos PRS, Les Paul, Music Man, etc.).

Não é interessante e nem prático vender separadamente, por isso o Tiago estabeleceu o preço de R$ 16.000.00 por tudo, incluindo aí um curso de luthieria com duração de um ano, com uma aula por mês. Toda a negociação registrada em contrato. Ele aceita parte (até R$ 5.000.00) do pgto em equipamento, se for do seu interesse. 
Ele tem uma planilha à disposição dos interessados com todos os itens do pacote.

Contato: 47-33556605 / 47-99263454     e-mail: templatesgs@gmail.com 

Seguem algumas fotos da oficina e de parte do material disponível:









Ps: Imagino que muitos guitarristas aqui vão olhar aquelas fotos de PRS e Les Paul em construção e ficar interessados em adquiri-las. Não adianta... :) Eu já vi antes e se o Tiago fosse vender tudo separado eu seria o primeiro da fila (ou o segundo - me parece que o Carlos Ropellato Jr. já sabia disso)! KKK!


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Achei o comentário de um leitor do blog, o MadGuitarMan, tão pertinente e conciso que resolvi acrescentá-lo ao post:

"É lamentável, já que pelas fotos parece ser um artesão competente. Por outro lado, é mais uma evidência que viver de construir instrumentos é uma atividade economicamente inviável no Brasil. 

Se um Luthier faz uma guitarra com o nível de qualidade igual ou maior, digamos, de uma Fender USA, essa guitarra TEM que custar mais caro do que uma Fender USA. Isso é óbvio. Só que pouquíssimo clientes vão aceitar pagar esse preço, que só faz sentido para quem quer um projeto personalizado. Eu tenho uma réplica de uma Tele 52, feita pelo Velozzo com tudo do bom e do melhor. Se fosse vendê-la, não conseguiria 1k5 nela. Não é valorizada. E tem ainda a concorrência dos asiáticos, na faixa dos instrumentos mais baratos. Quantas guitarras um Luthier conseguiria fazer por mês, trabalhando só ? 

Creio que no máximo 2, talvez 3 ou 4, se terceirizasse a pintura e outras coisas. Qual seria a margem de lucro nessas guitarras que ele precisaria para viver dessa atividade ? Então, não tem jeito, a não ser para um Zaganin, que tem uma estrutura e consegue impor seu preço como custom shop. Para os outros, a realidade é que fazem um bom instrumento para alguém, vende barato, é incensado nos fóruns, recebe dezenas de encomendas e termina dando o calote em todo mundo. Alguém já viu essa estória ?"