Quando o meu amigo Oscar Isaka Júnior, outro louco por guitarra, me enviou a foto de uma maravilhosa Telecaster Custom feita pelo mestre luthier Tom Castelli de Curitiba, fiquei de queixo caído, não só pela beleza exuberante mas também pelas especificações. Acho que nunca vi um top de quilted maple tão tridimensional quanto esse... Luxo absoluto! :)
Ela tem aspectos técnicos muito interessantes e ninguém melhor que o Júnior pra falar sobre essa obra de arte. Pedi pra ele fazer o texto porque eu precisava colocar essa Tele no meu blog! :) Segue:
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OSCAR ISAKA JR.:
"Sempre que eu encontro algo interessante converso com o Paulo e trocamos
muitas figurinhas, e sendo ambos compulsivos por guitarras e tudo o que gira as
6 cordas seria natural que eu roubasse um post ou outro deste que considero um
dos mais informativos blogs de Guitarras da Internet.
Desde quando comecei a tocar
guitarra em meados dos anos 90, o nome DiCatellis tem sido uma constante pra mim.
Sendo de Curitiba, ainda mais tendo começado no meio metaleiro, as guitarras
Castelli sempre foram sinônimo de qualidade entre músicos e guitarristas.
Lembro que tinha um companheiro de banda que havia recém mandado fazer uma
réplica do famoso modelo "Kelly" da Jackson, na época utilizada por Marty
Friedman. Mais e mais instrumentos DiCastellis apareciam nas mãos de amigos e
conhecidos do mundo guitarrístico, mas eu por alguma razão não havia ainda ido
lá efetivamente até uns 3 anos atrás, quando voltei a tocar e desde então já fiz
algumas guitarras com ele e sempre levo meus instrumentos para regulagens ou vou simplesmente para um (ótimo) papo sobre guitarras e afins.
Sexta Feira passada fui até a Castelli para trocar uma ideia com o Tom, e
essa Telecaster estava sentada na bancada depois da montagem e regulagem final. Foi
impossível não reparar a beleza e capricho dessa guitarra e questionei o Tom.
O cliente (vou me referir aqui como John :-) ) queria uma guitarra para
tocar Rock/Hard Rock, então a clássica combinação mogno/maple foi a escolhida. O
formato escolhido para o corpo foi a Tele pelo gosto do próprio John e o
braço/escala seria parafusado, de maple. Ponte String Through Body hard tail e
escala padrão Fender de 25,5 polegadas garantem o final da
composição timbrística da menina. Mas ainda falta a estética.
A combinação de Mogno com top de Maple para o corpo garantem um timbre quente sem
perder a definição, acentuado ainda mais pelo braço/escala de maple.
Como uma
Les Paul? Humm, mais ou menos pois a escala longa de 25,5 e a ponte hard tail com
String Through Body aumentam o comprimento de corda deixando-a com um pouco mais
de tensão, fazendo o ataque aparecer mais rapidamente e secar os graves. Tudo o
que se precisa para não embolar em timbres mais distorcidos.
Mas o braço
parafusado não compromete o sustain nessa configuração? Não necessariamente. Nesse
caso a junção e fixação são cruciais para garantir uma boa ressonância do
conjunto e portanto assegurar boa sustentação.
O Tom faz uma fixação bem justa no
"Neck pocket" (tróculo), assegurando o máximo de contato possível nas paredes no braço e
da cavidade no corpo, juntamente com 5 parafusos para garantir a pressão
necessária para eficaz transferência das vibrações do braço. Parafusos de INOX, com 3 mm a mais de comprimento e 1 mm a mais na largura do que
os tradicionais usados pela Fender. Embora isso remova um pouco do estalo característico de guitarras com braço parafusado, o aumento da pressão proporcionado por esse padrão de 5 parafusos faz com que a sonoridade ganhe corpo
de médios e uma sustentação melhor desde o ataque das notas, trazendo-a mais
próxima das observadas nas guitarras de braço colado.
O Tom faz esse tipo
de "upgrade" em guitarras de braço de braço parafusado em que essa
característica é mais procurada como por exemplo Jackson, Ibanez, etc. com
excelentes resultados. O upgrade é simples e consiste em adicionar 2 parafusos
sob o neck plate para aumentar a pressão da fixação do braço e corpo.
Em
Strato/Tele clássicas, esse upgrade tira um pouco do estalo e quack
característicos dos sons clássicos com single coils, mas os resultados são muito
bons com uso de humbuckers. Paul Gilbert já relatou que costumava sentar em suas
guitarras na hora de apertar os parafusos dos braços de suas Ibanez a fim de
deixar a junção mais firme.
Como a intenção de sonoridade desejada era ter a maior densidade possível
sem perder a definição, o pedaço de mogno escolhido para o "back" do corpo é bem
denso e com veios bem próximos. Isso gera um som gordo e quente, mas também
aumenta consideravelmente o peso da guitarra (a sonoridade e peso desse tipo de
mogno é bem conhecida nas Gibson dos anos 80). Para cortar um pouco desse peso, foram feitas câmaras no corpo antes da colagem do top
de Maple. A técnica já é utilizada pela Gibson, Tom Anderson e muitos outros e conhecida como "Tone Chambers". Se executada corretamente, além de reduzir o peso
do instrumento, aumenta a ressonância geral modificando levemente
a resposta sônica do conjunto. Em geral o ataque fica um pouco mais macio, sem
comprometer a definição. Nem melhor nem pior, só diferente!
A parte elétrica estava definida com 2 humbuckers, 1 volume e 1 tone e
chave de 5 posições. Os captadores escolhidos foram o Seymour Duncan 59 para o braço e (Seymour) Duncan Distortion para a ponte formando um conjunto bastante versártil, com
bastante potência na ponte e algo mais ameno no braço para sons mais suaves. De
ultima hora foi adicionado um Seymour Duncan Vintage Rails logo acima do captador da
ponte (onde Steve Morse usa um também) para uma versatilidade ainda maior,
permitindo a utilização deste sozinho ou em paralelo com os humbuckers.
Com a parte técnica toda delineada chegava a hora de definir os detalhes
estéticos. O John fez questão de ter uma atenção redobrada nessa parte do
projeto e escolheu a dedo os componentes. O mogno do corpo, foi o brasileiro de
um estoque antigo da própria Castellis, de coloração avermelhada e veios bem
bonitos. O top, um Quilt Maple de graduação 4A "book matched" e o braço e a
escala, Bird's Eye Maple também muito figurados, todos importados dos EUA
especialmente para esse projeto. A pintura foi feita utilizando as mesmas
técnicas de tingimento que a PRS, Anderson, Suhr, Gibson e etc utilizam para
realçar o efeito tridimensional. O resultado pode ser visto nas fotos, que não
fazem jus à beleza desse instrumento ao vivo. O 3D do top é algo simplesmente
impressionante e a figuração Bird's Eye do braço idem. Sem
brincadeira, eu não me lembro de ter visto um top e braço tão figurados e com um
3D tão bonito!!
Tive a oportunidade de tocar por alguns minutos com ela, e a sonoridade
ficou incrivelmente equilibrada. O Distortion estava soando forte e preciso sem
a estridência às vezes observada. O 59 definido e até mais detalhado do que eu
estava acostumado a ouvi-lo e o VintageRails realmente adiciona um Q diferente
ao timbre quando combinado com os humbuckers.
Comparando a sonoridade com uma
boa Les Paul, todo o calor do mogno com a definição e mordida do maple estavam
presentes, com excelente sustentação. Os graves menos soltos e talvez um pouco
mais de extensão e detalhe de agudos e um ataque mais rápido são as maiores
diferenças para o clássico modelo da Gibson, o que já era de se esperar dadas
as diferenças técnicas já abordadas. Os trastes INOX médio-jumbo fornecem maciez aos
bends e permanecem brilhantes e polidos o tempo todo. A pegada do braço é
fenomenal. O shape é um "C" médio copiado com exatidão de uma Music Man
Axis. Acredito que os objetivos delineados lá na parte do projeto foram plenamente alcançados.
Todos devem estar se perguntando quanto custou esse brinquedo? O valor
final ficou em torno de R$8.000,00 com hard case personalizado. O valor é
realmente alto, mas dada a qualidade dos componentes e madeiras (só de maple
para o top, braço e escala foram quase R$2.000,00 ) o capricho e beleza dessa
guitarra, acho que o proprietário ficou extremamente satisfeito com o
resultado. "
(Texto de Oscar Isaka Jr.)
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Olha, mesmo sendo um aficionado por Telecaster clássica e captadores vintage, acho que eu seria muito feliz com uma guitarra dessas... :)
O Tom Castelli é um mestre e embora não o conheça pessoalmente, TODAS as guitarras que vi/ouvi/toquei dele são de uma qualidade ímpar. A guitarra que ele fez para o Oscar é absurdamente linda e tecnicamente perfeita. Pedi algumas fotos dela e postarei aqui como complemento em breve.
E o Tom Castelli é aqui do Brasil, ali em Curitiba... :)
Visite o site: Castelli
Realmente muito bonita e um trabalho caprichado. Abraços
ResponderExcluirNossa, muito bom gosto nas combinações. Top quilted em amber + braço bolt-on com escala em birdseye maple é perfeição demais. Puro hard rock. Tenho uma Axis assim e acho divina. Os captadores abertos, o cream binding, ferragens cosmo black também denotam extremo bom gosto de quem pensou nesse projeto. Lembram muito as Schecter japonesas: http://thumbnail.image.rakuten.co.jp/@0_mall/k-gakki/cabinet/eg2/shce_g/ptctm.jpg
ResponderExcluirEu só usaria uma toggle switch, tiraria esse stack dual blade (sei lá o que é isso), mudaria o set de caps que tá horrível e coloria uma floyd non- recessed. Essa é o único tipo de tele que eu compraria e uma guitarra desse nível de customização nem me importaria com valor de revenda.
Nah, 8000 reais... Não rola. Por muito menos eu compro isso: http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-441772586-prs-custom-24-2011-lancamento--_JM
ResponderExcluirSó lembrando que madeira corresponde a parte mais irrisória do instrumento. Impossível esse cara ter gasto ao menos 1/4 desses 2 mil só em madeira.
Realmente a guitarra está muito linda!
ResponderExcluirIsso sim é um projeto de luthier, é um trabalho custom!!
O trabalho do Tom é bom mesmo, não é barato, mas vale cada centavo.
E eu também não ficaria triste se tivesse uma dessas...
Como o Velhinho frisou, é um projeto Custom onde o cliente é envolvido em todas as etapas do processo. Cada detalhe é discutido e com um propósito a ser atingido ao seu final. Madeiras, peças, espcificações, tudo entra em pauta durante os meses entre a encomenda e a entrega, sem o propósito de ser uma guitarra de marca. Se ao final do projeto o cliente poderia efetuar a troca dos captadores, mudar especs da ponte, braço ou qualquer outra adaptação/melhoria que julgue nescessário para atingir o resultado esperado. Essa pra mim é a maior beleza deste processo! :-)
ResponderExcluirMaravilhosa a guitarra, que deve atender aos específicos interesses de quem encomendou.
ResponderExcluirPorém, que do ponto de vista funcional, acredito que a junção dos dois blocos de mogno que constituem o corpo não poderia ocorrer exatamente na linha do encaixe do braço, pois isso não só comprometeria o timbre e o sustain, como também a própria estrutura do instrumento (observem isso nas fotos da parte traseira da guitarra, em que o braço se mostra aparafusado exatamente no encontro das madeiras do corpo).
Nas guitarras coreanas de razoável qualidade um dos blocos de madeira do corpo é maior do que o outro justamente para cobrir toda a junção do braço. Aliás, pelo preço, R$ 8.000,00, a madeira do corpo deveria ser inteiriça, não é mesmo? Abraços e até a próxima. Gustavo-Chapecó-SC.
Gustavo, o corpo colado no meio não interfere no sustain e estrutura do instrumento. A Fender (e vários outros fabricantes) utiliza esse método nas Strato desde os modelos Std até nos Custom Shop, e mesmo em blocos inteiriços muitas vezes o que ocorre é que eles são serrados ao meio, invertidos e colados novamente a fim de gerar estabilidade mecânica evitando empenamentos. Esse mesmo método pode ser conferido nos braços das Gibson nos anos 70-80, Ibanez Prestige, entre outros, onde o braço é feito com 3 peças longitudinais. Todas da mesma peça de madeira, mas o do meio com a orientação invertida justamente com esse fim. Se a colagem for feita de maneira correta, há mais rigidez mecânica e portanto mais sustentação e ataque mais claro. A LesPaul 81 do Paulo que esta aqui no blog tem essa característica, e a razão da Gibson modificar isso na época era devido a grande quantidade de braços quebrando. :-)
ExcluirObrigado, Oscar Jr. Muito boa a explicação. Abraços. Gustavo.
ExcluirOlá Paulo e Oscar, saudações!
ResponderExcluirComo comentário geral, o esquema de captadores dessa guitarra com certeza seguiu o esquema da Ernie Ball do Stevie Morse. Não conhecia o EBMM do Stevie, vi uns vídeos e achei o timbre sensacional, versátil para clean e distorção até dizer chega.
Se essa tele do Castelli tiver timbre parecido, vale(valia) a pena pagar os 8 mil em 2013 por ela sim.
Projeto personalizado e de bom gosto é para poucos mesmo.
Abraços!
Valeu, Marçal! :)
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