Paulo May
Infelizmente não consigo parar com meus experimentos de madeiras brasileiras - e olha que essa desistência já foi anunciada aqui várias vezes... :)
O Brasil é conhecido pela infindável variedade e qualidade de suas madeiras mas minhas tentativas de utilizar algumas delas em corpos de guitarras - principalmente stratos e teles - foram frustrantes, pra dizer o mínimo. O Cedro de longe foi o mais tentado e sempre, invariavelmente, mostrou-se abaixo das expectativas, independente do tipo de guitarra. Não tem a complexidade e o equilíbrio do alder ou do ash americanos. No ano passado consegui alguns bons resultados com 2 teles e uma strato (hardtail) de marupá. E também uma Tele de Freijó, que estava indo pro lixo mas acabou funcionando num golpe de sorte. Entretanto, o Freijó ainda está um pouco aquém das madeiras clássicas americanas.
Não pretendia mais utilizá-las, mas durante esse tempo, uma madeira em especial, o Angelim, duro, pesado e teoricamente inadequado para guitarras, não me saia da cabeça. Já bem acostumado com a sonoridade do Marupá, quase legal, mas com um pentelho a mais de graves e outro pentelho a menos de punch de médios, imaginei que um corpo com um centro de Angelim e laterais de Marupá pudesse funcionar. Meu luthier Inaldo já havia me falado o que eu imaginava do Angelim - muitos médios...
Eu tinha uma Telecaster HH (H/P90) de Cedro com top de 1 cm de Marfim que sempre soou daquele jeito "Cedro": meio fechado, sem ressonâncias claras e um buraco nos médio agudos (por volta de 1,8kHz). O Marfim não acrescentou absolutamente nada ao cedro e o Marfim, na minha opinião, é uma madeira superestimada pelos luthiers brasileiros. Inútil.
Essa era a Telecaster de cedro/marfim com braço de maple:
Enviei um e-mail para o Adriano da RDC Guitars de Belo Horizonte e com a eficiência de sempre, em uma semana eu estava com esse corpo de Angelim/Marupá aqui em casa:
Tive o cuidado de gravar a Tele de Cedro/Marfim antes de transportar tudo dela para essa de Angelim/Marupá porque como sempre falei e insisto, a única maneira fiel de comparar dois ou mais timbres é com gravações idênticas. A nova Tele ficou assim:
Inicialmente, mantive o P90, mas ele continuou soando muito gordo e troquei-o por um single de strato Rosar, muito melhor nesse setup. As gravações porém, foram todas feitas utilizando apenas o humbucker da ponte (Custom Alnico V, 8,5k).
Comparei as duas gravações e tudo que faltava na Tele de Cedro: brilho, estalo, dinâmica, apareceu bem mais evidente na de Angelim. Pensei: "Hum, encontrei uma combinação muito legal!"
Entretanto, havia um problema com o braço de maple - quando eu o modifiquei, de um "C" gordo para um "V" típico dos anos 50, devo ter lixado inadvertidamente apenas um lado do assoalho que acopla no tróculo e ele estava com um decaimento horizontal - compensado pelo Inaldo com uma folha fina de madeira (foi ele quem envernizou o braço e o instalou). Como tinha um outro braço de Tele aqui, de maple mas com escala de rosewood (irmão do mesmo braço que resolveu a tele de Freijó), coloquei-o e a guitarra ficou até mais interessante no visual.
Mas daí veio o choque inesperado: ao gravar novamente essa mesma guitarra de Angelim com o braço de maple/rosewood, metade do que ela havia ganho em relação ao Cedro perdeu-se. Quase voltou a soar como a velha tele de Cedro. PQP! Eu sempre li, já falei aqui, mas nada como um tapa na cara pra lembrar que o BRAÇO É TÃO OU MAIS IMPORTANTE QUE O CORPO!
Ouçam vocês mesmos um fragmento das 3 gravações:
E daí?
Recapitulando: o braço de maple não ajudou a ressuscitar o Cedro zumbi, mas acrescentou brilho e clareza ao Angelim/Marupá. O Angelim/Marupá que parecia uma combinação excelente, quase virou zumbi quando perdeu o braço de maple... Concluo, em termos práticos, que o Cedro continua uma porcaria (exceto para guitarras modernas, com captadores de alto ganho, cerâmicos) e não há santo que dê jeito e o Angelim/Marupá é melhor que o cedro (e o marupá puro) mas depende do maple pra soar claro e aberto...
E, se o caro leitor que acompanha o blog leu esse post sobre a Tele de Freijó, vai observar que o Freijó só funcionou com o braço que não funcionou com o Angelim - ele soou terrível com o braço de maple e quase perfeito com o braço de rosewood/jacarandá. Vai entender...
Outra conclusão paralela é: "Não quer errar/arriscar? Use um corpo de Alder". O Alder é a madeira que mais dá certo em guitarras "Fender" e ponto final.
Não adianta, é quase impossível saber o resultado final de uma combinação braço/corpo sem montá-los e ouvi-los. Se tivesse um pouco mais de saco, colocaria outro braço de maple, pois esse outro braço (medidas, densidade, verniz) poderia não soar igual...
É foda e como disse no post sobre a Tele de Freijó, parece que cada vez eu sei menos. Fico à mercê das afinidades misteriosas das madeiras - PQP!.
Enviei o braço de maple para o Inaldo refazer o assoalho - ficou perfeito e o braço voltou para a Tele de Angelim, que tá soando como deveria agora. :)
Um último detalhe: o captador do braço, um single Rosar "True Vintage" está soando divino nessa tele de angelim/marupá. O Adriano já sugeriu que eu montasse uma Tele "clássica" com esse corpo e confesso que tô me coçando :). Nessa altura dos acontecimentos, tenho até medo de me arriscar em palpites, mas tudo leva a crer que uma Tele clássica de angelim/marupá (mais leve que a de cedro) deve soar bem melhor que uma toda de cedro (nem pensar), marupá ou freijó. Vamos ver... Com essa novela dos braços é bem capaz de eu me incomodar novamente :)