Oscar Isaka Jr.
Poucas coisas no mundo das guitarras são confusas como os nomes e padrões de cores dos instrumentos. Pra entender de onde vieram as cores que estampam nossos queridos instrumentos é preciso entender qual foi a influência da época e a resposta é simples e direta... CARROS. Os automóveis eram a peça de consumo mais influente nos Estados Unidos na década de 50, logo é fácil imaginar porque a utilização de suas cores nos instrumentos.As únicas cores que a Fender criou na época eram o Blonde e o Sunburst, todo o resto veio diretamente do catálogo de Custom Colors da indústria automobilística. Difícil de imaginar um carro Daphne Blue (ou azul calcinha) que não seja uma Kombi!! rsrsrs!! É uma verdadeira salada: Surf Green, Sea Foam Green (geralmente confundidos entre si), Daphne Blue, Ice Blue Metalic, Dakota Red, Fiesta Red... E a lista continua. Tons pra armário feminino nenhum botar defeito....
Catálogo de cores |
Nos anos 50 (até 1956 pra ser mais exato), a GM só utilizava a Laca Nitrocelulose (ou "a" nitro, para os íntimos) para acabamento e pintura de seus veículos. Apesar de todas as outras fábricas usarem acabamentos com base esmaltada (Enamel), a GM gostava da "Nitro" pois era de rápida (para a época) secagem, fácil polimento e conserto além do lindo e fácil brilho. Entrando um pouco no aspecto técnico, a tinta é composta basicamente de 3 componentes: pigmento (que dá a cor), resina e solvente. O pigmento e a resina são dispersos no solvente, que controla a consistência da tinta e evapora com a aplicação, deixando somente os outros dois componentes na superfície pintada. Sem ele, o composto de resina/pigmento seria muito espesso e não espalharia uniformemente pela superfície aplicada. A resina forma uma "película" que permite que o pigmento tenha adesão na superfície e crie uma camada protetora para a mesma, além do brilho inerente. Nitrocelulose usa uma resina à base de celuloide - e a acetona como solvente é uma das características que define o "Nitro" como Laca (Lacquer).
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Curiosidade: Celuloide é o nome de uma classe de compostos criados a partir da nitrocelulose e de cânfora, a que se adicionam corantes e outros agentes. Os celuloides são considerados os primeiros materiais termoplásticos. Em 1862, o inglês Alexander Parkes registrou a Parkesina, primeiro celuloide e primeiro plástico fabricado. O termo celuloide só passou a ser utilizado em 1870. Moldado com facilidade, o celuloide foi produzido originalmente como substituição para o marfim.
Os celuloides também são extensamente utilizados na manufatura de bolas de tênis de mesa, por sua rigidez e elasticidade.
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O uso da Nitro(celulose), apesar da secagem rápida e ótimo brilho que propiciava, tinha um problema: o uso da resina à base de celuloide, material esse usado na fabricação de escudos (pickguards) do tipo tortoise de marcas como Gibson, Epiphone, DÁngelico entre outros, fazia com que o acabamento esfarelasse/quebrasse com o tempo. Era possível ver esse efeito no craquelado (checking). Além disso, havia também um desbotamento acentuado no pigmento/cor.
Para minimizar esses problemas, a Du Pont (fabricante das tintas) mudou a composição da resina e passou a utilizar um composto acrílico, que tinha mais resistência UV, elasticidade e minimizava um pouco os efeitos da nitro. Porém isso também tinha um lado negativo: não secava tão bem quanto a nitro e não tinha o mesmo brilho no polimento.
Voltando aos instrumentos, o que a Fender fazia era usar o que quer que estivesse disponível com a Du Pont ("Duco" era a nitro da Du Pont) na época, fosse acrílico ou nitrocelulose. Como disse George Fullerton:"Leo gostava de coisas práticas e funcionais... Quando pensamos em técnicas e materiais de acabamento, nada mais lógico do que copiar a indústria automobilística e as tintas que estavam disponíveis para ela, fáceis de encontrar e baratas".
A Fender quase sempre utilizava verniz de acabamento transparente, que era à base de nitrocelulose. Todo esse processo de evolução das tintas automotivas gerou uma verdadeira salada nas cores dos intrumentos porque o verniz à base de nitro fica amarelado com tempo e interfere/modifica a visualização do pigmento real. Resultado? Algumas cores recebiam esse verniz e outras não, visando manter a aparência real da cor. Por isso é realmente difícil estabelecer um padrão de pintura para a época. Era usado o que funcionava e pronto e os mesmos problemas encontrados nos carros, como desbotamento das cores e o craquelado, que alguns de nós hoje gostamos, na época geravam um baita trabalho e incomodação para a Fender.
Em meados de 1963 um novo produto começou a ser utilizado como base/selador para a pintura, o famoso "FullerPlast". Produzido por Fuller O'Brien, era uma espécie de composto plástico sintético para cobrir os poros da madeira de maneira uniforme com a finalidade de deixar a pintura mais uniforme também e embora a cor e verniz ainda fossem nitrocelulose, muitos concordam que o emprego do Fullerplast foi o fim da "era Nitro" da Fender e é motivo de muita discussão sobre aqueles que defendem que o Nitro é um dos responsáveis por Fenders antigas soarem tão bem, etc.
Há argumentos para ambos os lados, mas não vou entrar na discussão! :-) O emprego do FullerPlast melhorou muito a qualidade dos acabamentos e minimizou os problemas gerados pelo uso da nitro somente e estendeu-se até meados de 1968, quando Bob Gowan, diretor do departamento de pintura e acabamento da Fender/CBS, baniu de vez a nitro e começou a empregar o Aliphatic Urethane conhecido hoje como "Poly/Poliuretano/PU". A decisão foi puramente baseada em mão de obra e tempo de produção, pois o PU requer menos camadas, tem secagem mais rápida, maior resistência e brilho mais fácil. Todas, qualidades desejáveis e veneráveis quando o assunto é produtividade.
Digno de nota, quando começou a utilizar o PU a partir de 1968, a Fender fez até propaganda da resistência e da "grossa camada/thick skin" que colocava em seus instrumentos. Hoje sabemos que isso "mata" a ressonância da madeira. O PU fornece um acabamento bonito, muito brilhante, duro e resistente, mas pode atrapalhar em termos de sonoridade.
O jargão "Poly/PU" é adotado até os dias de hoje para tintas e vernizes a base de Poliéster sintético, empregado em 90% de todos os instrumentos fabricados atualmente (inclusive a Fender), por causa das razões que descrevi acima. Instrumentos viajam de navio de e para todas as partes do mundo, sujeitos à variações térmicas (às vezes mais de 40 graus) e de humidade e chegam em seus destinos brilhantes e novinhos em folha. Urethane, Polyurethane, Poly, PU etc. é mais ou menos tudo farinha do mesmo saco, ou seja, compostos de verniz sintético de alta durabilidade.
A Nitrocelulose ainda é utilizada devido ao seu alto apelo junto ao público "vintage" (ao qual me incluo) e não só pelo visual, pois há vertentes e argumentos que alegam que, por ser mais fino e maleável que o PU, interfere menos na ressonância do corpo do instrumento.
Não quero entrar nessa discussão sem fim, mas sim apresentar um pouco da história e dos fatos.
Alguém aí se importa em ter um Cadilac Shell Pink? Ou quem sabe um Mustang Fiesta Red? :-)
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