domingo, 6 de março de 2011

Quanto Custa Uma Boa Telecaster?

(obs: antes de fazer perguntas e ou postar comentários, leia aqui: CLIQUE)


Como subtítulos, deveria acrescentar também:
"Sem Luthier": Partes 3 (acabamentos caseiros) e 4 (blindagem caseira)
Antes, a foto e as especificações:


Especificações
Corpo: Swamp Ash, 3 peças, tingido e encerado
Braço: Maple, "C"
Escala: 251/2", Rosewood, Raio: 9.5". Nut: latão
Tarraxas: Planet Waves Auto Trim/Lock
Captador Ponte: Fender Custom Shop Nocaster 51
Captador Braço: Fender Custom Shop Nocaster 51 rebobinado (Sérgio Rosar)
Pots e capacitor: 250K, capacitor à óleo (PIO) 0.047uf
Ponte: Gotoh Modern Tele, com 6 saddles
    
     Quanto mais aprendemos sobre guitarras, maior a chance de adquirirmos bons exemplares sem pagar um real a mais. Melhor ainda, podemos montar uma excelente guitarra pesquisando componentes de qualidade com preços às vezes surpreendentemente baixos.
Assim, vou descrever como essa Telecaster "Custom" foi criada. Ainda não calculei o preço final - ao longo do post vamos somando... :)

     Tudo começou com uma Telecaster Squier Standard usada que adquiri por 450 reais. As Squier da série "Standard" são boas guitarras e essa particularmente me chamou a atenção por ter sido feita na fábrica da Cort. Eu sabia que o corpo, embora lindo (candy apple red) era de agathis, madeira que engana muito mas definitivamente não serve para um som clássico de tele. Assim, comprei-a por uma razão principal: o braço! Fantástico, muito semelhante ao da minha tele 68, acabamento e trastes perfeitos. Captadores bons, de alnico, ferragens muito boas. Vendi o corpo por 200 reais, então o preço final dela foi de 250 reais
Tudo bem, vocês podem pensar: "Mas isso é sorte - uma guitarra dessas por 450 reais". Bem, um bom braço de Telecaster da Guitar Center chega aqui por cerca de 300-350 reais.
Comprei um corpo (sem acabamento, madeira crua) de tele de Swamp Ash (aquele ash leve do sul dos EUA, usado pela Fender ppte nos anos 50) na Guitar Center. Recebi em casa e no total, com impostos, custou 374 reais. Pelo peso, não é swamp, parece northern, mas tudo bem, acho que até prefiro o ash mais denso. Chegou assim:

     Nunca gostei desses acabamentos modernos, com grossas camadas de verniz acrílico ou poliuretano bicomponente. Não deixam a madeira falar direito e esteticamente acho-os muito brilhantes, exagerados.
Resolvi apenas tingi-la e encerá-la. O ideal seria usar um selador e não sei o quanto a cera pode funcionar como selador, mas já havia feito isso numa outra guitarra e funcionou muito bem. Além do mais, minhas guitarras não são expostas à muita umidade.
A anilina é o corante mais usado para madeiras e um pote custa menos de cinco reais. Misturamos anilina com álcool (quanto mais puro o álcool, melhor) e espalhamos com uma pedaço de pano/estopa. Eu sempre começo com pouca concentração e vou aumentando se necessário. Como eu queria bem preta, coloquei logo uma colher de café de anilina em cerca de 50 ml de ácool (obs: anilina mancha muito a pele e demora para sair - sempre use luvas).


     Aplique uma ou mais vezes, dependendo da intensidade do tingimento desejada. Nesse caso, fiz duas ou 3 demãos. O álcool evapora rapidamente. Ele funciona como veículo para a anilina. Quanto mais e mais vezes "molhamos" a madeira com álcool, mais profundamente ele conduz a anilina, dependendo é claro, da permeabilidade da madeira, que é diretamente relacionada ao seu tipo de fibra e poros abertos/fechados.
O maple, por exemplo, tem poros tão fechados que pode até ficar sem impermeabilização/selador/verniz.
Depois do tingimento e secagem (que depende da pureza do álcool, mas é rápida), eu geralmente uso alguns pedaços de panos velhos (um deles levemente umedecido) para retirar o excesso de anilina.
Uma etapa intermediária: eu lixei (lixa 220 e depois 300/400) as bordas para dar um certo ar de "envelhecida" e um toque de "faux binding". O efeito é legal e já havia feito antes, inclusive acrescentando algumas lixações irregulares e aleatórias em outros locais. Fica mais velha ainda, porém eu ando meio preguiçoso ultimamente... :)
Mas ainda falta a cera...
Só que antes da cera, usei um spray da Colorgin de tinta magnética (com partículas de ferro) para blindar a cavidade de controle. Deveria, mas não repeti o procedimento nas cavidades dos captadores. Essa é uma solução caseira que funciona na prática. Tinta condutiva é cara e chata de aplicar e blindagem com fita de cobre + solda é mais chata ainda de fazer...
Como disse antes, nunca seria luthier porque não tenho o dom e principalmente, paciência para isso. Tudo o que faço é com o objetivo de aprender. Aprender "fazendo" - não tem coisa mais eficiente.
Observem na foto que o local deve ser isolado e é necessário deixar uma pequena borda superior de tinta para que entre em contato com a placa metálica de controle, fechando a "gaiola de Faraday". Bem, mais ou menos... :)

Obs: No site da Pauleira, uma aula sobre como fazer e aplicar tinta condutiva, pra quem não é tão preguiçoso quanto eu... :) Siga o link: Pauleira: Como fazer tinta condutiva e blindagem


Tinta seca, e cera Poliflor (sim a própria, com carnaúba e tudo!) passada, só falta uma parte meio chatinha. Esfregar, esfregar e esfregar, até o brilho da cera aparecer. Eu uso bastante fricção para gerar uma boa quantidade de calor, que derrete bem a cera e aumenta sua penetração nos poros, criando uma certa impermeabilização.
Aqui, com a cera, ainda sem polimento, fosca:

E depois de meia hora, suando: (dica: use meias velhas, nas duas mãos, para polir - tem que sentir a madeira aquecendo! :) ). A minha avó, que era do tempo ainda sem enceradeira elétrica, deveria fazer isso bem melhor que eu. Mas ficou assim:

(Adendo 07/2014: não utilizo mais a cera, que não lida bem som calor/sol/suor. Tenho utilizado quase sempre uma fina camada (3 a 4 demãos) de verniz spray incolor.)

Daí, foi questão de colocar e ajustar o braço (é óbvio que tive que refazer os furos), captadores, parte elétrica (usei pots, chave de seleção e placa de controle da squier e acrescentei um capacitor à óleo de .047uF) e parafusar a ponte. O que mais me deu trabalho foi a ponte - os furos "through body" estão posicionados para uma ponte vintage (que eu detesto) e a maioria das modernas não se adapta. Tive que comprar uma Gotoh "Modern Tele Bridge". Era isso ou refazer os furos. Comprei a Gotoh...
Claro que poderia ter enviado para um luthier, mas todo esse tempo mexendo em guitarras me deixou relativamente apto para essa montagem. Tenho uma Dremel que é uma mão na roda para quase tudo.
Comprei um escudo branco e também uma moldura de metal (na GFS - clique). Decidi deixá-la sem o escudo e com a moldura.
A guitarra ficou fantástica, tocabilidade excelente, timbre lindo, 100% vintage na ponte e de strato no braço. Mas eu tinha 95% de certeza que chegaria a esse resultado. Essa é a grande recompensa do conhecimento :)

     Vamos então aos cálculos do custo:
Hardware - incluidos uma das melhores pontes (Gotoh) e tarraxas (Planet Waves) do mundo:
Parte importada da StewMac (tarraxas compradas aqui por 210 reais) - tive a sorte de não ter sido selecionado pela receita - e parte comprada no ML. Total: 200 reais aprox. (410 com as tarraxas)
Captadores: 180 reais! Como estou sempre de olho no ML, comprei, por essa bagatela, um par de Fender Custom Shop Nocaster 51 (normalmente 600 reais no Brasil) usados mas como novos.  O captador do braço estava morto e o vendedor não gostava do som vintage do single da ponte (que é um clone do primeiro captador de tele feito pelo Leo Fender, com alnico III). Rebobinei o captador do braço no Sérgio Rosar e o aproximamos do "Twisted Tele", que tem som de captador de strato.

Resumindo: 374 (corpo) + 250 (braço) + 180 (captadores) + 410 (hardware) = 1.214 Reais

Tá bom demais para uma guitarra dessas, não? :)


Abraço!
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Update 04/2012: No final de 2011, coloquei o braço das fotos acima (com escala de rosewood) na Tele de Alder e comprei um braço todo da maple (da Mighty Mite/Guitar Center) para colocar nessa tele de swamp. A idéia era deixá-la com um timbre ainda mais vintage. O braço é excelente, típico Fender modern "C".
 Ficou assim: