segunda-feira, 30 de abril de 2012

Velha Condor RX20 - uma homenagem dourada!

         Essa minha história com a parte técnica das guitarras só começou por volta de 2004, depois de comprar uma strato de luthier. Pra abreviar, transcrevo um recente post que fiz no FGP:

 "A minha segunda guitarra já foi uma Tele Fender 74, comprada em 80. Como tinha exatamente o som que eu gostava, fiquei 23 anos tocando sem saber absolutamente nada da parte técnica de guitarras.
Ao longo desse período, me deparei com inúmeras outras e com exceção de uma LP Gibson 58 original, nenhuma soava melhor que a minha. Em 89 ouvi uma outra Tele (a 68) que me impressionou. Com a ajuda da sorte e do destino, consegui, quase de graça, essa guitarra (a primeira coisa que fiz foi trocar vários itens vintage dela - e estupidamente joguei-os fora).
E assim fui, com duas fantásticas Teles, achando que o mundo era isso e timbre bom era fácil de conseguir.
Até 2003, quando resolvi ter uma Strato e gastei 3.500 reais numa porcaria de cedro e marfim. Fiquei um ano tentando tirar som dela. Pegava, tocava 5 minutos e desistia. Coisa horrível!
 

Um belo dia, em 2004, resolvi entrar na internet e pesquisar sobre a Stratocaster. Alder? Ash? Cedro? Captadores? Tensor? Impressionante como havia coisa pra aprender. E não parei mais.
O conhecimento me permitiu/permite apreciar uma guitarra ou timbre também de forma consciente e lógica, potencializando o prazer de tudo o que eu já gostava antes. Agora eu disponho da intuição somada ao conhecimento. Uma combinação suprema.
Me arrependo profundamente de não ter buscado esse conhecimento antes, desde o início
."

Em 2004 também estava há uns bons 5 ou 6 anos sem entrar em lojas de guitarra. Não sabia que a qualidade (automatização, CNC, etc.) das guitarras havia aumentado e o preço diminuido.
Na primeira loja que fui, dei de cara com uma Condor RX20 que custava cerca de 290 reais. Eu sou do tempo que mesmo uma guitarrinha nacional vagabunda custava mais que o dobro desse preço... Fiquei impressionado ppte com a qualidade do braço e comprei uma, igual a essa aqui:
Claro, ainda não sabia detalhes sobre captadores (são cerâmicos chineses) e o basswood (madeira do corpo) estava listado nas minhas "pesquisas" iniciais como uma das madeiras usadas pela Fender (ao contrário do cedro). Mesmo com corpo de basswood, cavidade universal (piscinão) e captadores cerâmicos, essa RX20 soava muito mais "strato" que a minha de cedro e marfim, de 3.500 reais. Daí em diante, cada vez que aprendia alguma coisa, tentava colocar em prática e depois de 25 anos com apenas 2 ou 3 guitarras, hoje tenho 32! :)
O Basswood não tem o punch e a clareza do Ash ou Alder. Por volta de 2007 coloquei o braço dela numa SX e o corpo ficou guardado até semana passada, quando resolvi dar uma geral no "depósito" e me deparei com aquele corpo "azul duvidoso" :), que me trouxe agradáveis lembranças.
Como essa RX20 foi a guitarra do "day one" da minha decisão de aprender sobre elas, resolvi homenageá-la:


Não queria retirar o braço original dela que está na SX SST57 preta e saí em busca de um braço bom e barato. Como falei, com as máquinas CNC e a automatização atuais, não é difícil encontrar braços baratos bem razoáveis e até bons por aí. Encontrei uma Shelter California por 230 reais com um braço bem legal, de maple/rosewood (ou madeiras bem similares - podemos esperar qualquer coisa dessas madeiras chinesas). Apenas um traste estava um pentelho mais alto e foi fácil arrumá-lo.
Tinha algum hardware dourado sobrando por aqui (saddles, capinhas, parafusos e tarraxas) e resolvi dourá-la! :)

Como sempre, refiz o headstock com serrinha, grosa e lixas. Lixei parcialmente o corpo azul e pintei de dourado (spray de lata). Captadores de alnico (dois Condor e um Fender 97), ponte com bloco de metal de peso intermediário. A idéia era usar somente o que tinha disponível aqui - a canoa do jack, o neck plate e a base superior da ponte também receberam spray dourado. Até pensei em comprar uma canoa dourada mas essa pintada com a mesma tinta do corpo ficou discreta e tá combinando bem.

Por alguma razão (pots velhos?) ela ficou com muito ruído. Pensei: "Olha a lei de Murphy aí... Era pra ser rápido e simples!". Maníaco compulsivo que sou, retirei e refiz toda a fiação e acrescentei uma blindagem. Como a cavidade era piscinão retangular, a blindagem é mais fácil, mas mesmo assim não deixa de ser cansativa:


Depois disso, tá tão silenciosa quanto corredor de hospital :)
(dois links legais pra quem quer fazer uma blindagem em casa: clique 1 e clique 2 )
O timbre ficou muito bom, considerando que quase tudo aqui é de "segunda linha". Strato clássico com aquele leve déficit de punch e clareza do Basswood - que muita gente gosta e até prefere. O braço é ótimo de pegada, a regulagem e entonação da guitarra estão perfeitos, levinha... Um prazer de tocar!

Tô me sentindo muito bem por ter feito isso. Aquele velho corpo azul sempre me passava uma sensação agradável. Não sou (muito) supersticioso, mas sinto uma energia boa nessa guitarra... :)


sábado, 28 de abril de 2012

Anos Dourados da Fender: 1946-1970... 1970? - PARTE 2


Fábrica da Fender em 1946: 2 galpões



Fábrica da Fender em 1954: 4 blocos.


1954...Bons tempos :) Nesse ano (também do nascimento da stratocaster), Leo Fender contratou o engenheiro de produção/administrador Forrest White para organizar a produção. A demanda crescia constantemente mas a linha de produção ainda era amadora. O gerente da fábrica na época era, pela falta de um profissional específico, George Fullerton, o "braço direito faz-de-tudo-um-pouco" de Leo Fender.
Forrest White criou um sistema de produção eficiente, priorizando a qualidade. Alguns vícios antigos foram mantidos, mais em função da teimosia de George Fullerton (no livro do Forrest White está bem claro que eles não se davam bem).

Aqui uma foto de 1959, durante o teste de um novo amplificador. Da esquerda para direita: Freddie Tavares (engenheiro/projetista/músico), Forrest White e George Fullerton:

Um vídeo da fábrica da Fender em 1959:



Em 1964, a operação da Fender envolvia 600 empregados e 29 blocos! A produção era de cerca de 1.500 instrumentos/semana. Na foto ali de cima, de 1954, apenas 4 blocos e a produção era de 40 instrumentos/semana...

Se cresceu tanto, e a tendência, com a explosão do rock/pop com os Beatles e afins, era de aumento da demanda, por que a venda para a CBS (Columbia Broadcasting System Inc.)?

A principal razão, acredita-se, era o cansaço de Leo Fender (workaholic absoluto, é bom lembrar). Há citações que colocam-no como hipocondríaco, mas de fato ele estava sofrendo há anos com sinusite crônica e sentia sua saúde debilitada. Don Randall, seu sócio, saiu à caça de um comprador e fisgou um peixão: a gigante CBS ofereceu 13 milhões de dólares.
Em 5 de janeiro de 1965, a Fender oficialmente pertencia à CBS.

Obviamente, um monstro capitalista como a CBS não pagaria esse dinheiro à toa (foi a maior negociação da indústria musical até então). Pesquisou muito bem o mercado e descobriu que a demanda continuaria aumentando, portanto os lucros eram certos.

Essa pesquisa incluiu também uma investigação qualitativa do pessoal da linha de frente da Fender, incluindo o próprio Leo. Por incrível que pareça, num "pre-sale report", a CBS considerou que, dos principais cabeças da Fender, Leo, Don Randall, Freddie Tavares, George Fullerton e Forrest White, o único dispensável era o próprio LEO FENDER!!!.
Segundo o documento interno da CBS, "O Sr. Fender, ao contrário do Sr. Randall, não é essencial para a produção. Um competente engenheiro chefe pode facilmente substituí-lo e suprir as necessidades do mercado atual". Recomendava, entretanto, provavelmente com medo da fama e da genialidade de Leo Fender, mantê-lo como "consultor" por um período de 4 a cinco anos... Absurdo!

As cagadas da CBS começavam por aí - o cara é genioso? Só entrega um novo produto quando ELE está satisfeito? Isso só atrasa a produção - escanteio pra ele!
Em 1965, dos 28 principais postos administrativos da Fender/CBS, o cargo de Leo Fender era apenas o 18º na hierarquia. (Em 1967, depois de trocar de médicos, Leo conseguiu curar-se da sinusite crônica e sua saúde geral melhorou - a partir daí, não via a hora de acabar seu contrato com a CBS pra iniciar a Music Man - e depois a G&L)

Bem, continuando com a CBS, ela injetou muito dinheiro na modernização e ampliação da Fender.
Em 1966, já havia 9 blocos adicionais e um gigantesco bloco de produção sendo construído (ao fundo):

Fender/CBS: 1966

 
Segundo Don Randall, os lucros simplesmente dobraram no 1º ano da CBS.
É interessante a visão do Forrest White da CBS: "Eles tinham vice-presidente pra tudo... Eu acho que havia até um vice-presidente pra limpar os banheiros..."

Forrest White foi rebaixado para "gerente de produção para guitarras e amplificadores" e pediu demissão em 12/1966 após negar-se a assinar o início da produção dos novos amplificadores transistorizados Fender ("desenvolvidos pelos melhores engenheiros da época, mas que não sabiam nada de música"), que segundo ele, não mereciam o nome "Fender". Todo mundo sabe hoje que esses primeiros amplificadores eram horríveis e encalharam nas lojas. Tiveram que ser modificados e os valvulados aos poucos foram também reintroduzidos). Entretanto, ele relata que não houve alteração na qualidade das guitarras e baixos enquanto ele trabalhou lá.

Don Randall: "A CBS, pelo menos no início, tinha tanto interesse na qualidade quanto nós tínhamos". Demitiu-sem em 4/1969 e fundou a Randall Electric Instruments (vendida em 1987).
OBS: Don Randall merecia um livro só sobre ele. Sócio e verdadeira "eminência parda" de Leo. Sua importância na história da Fender pareia com a do próprio Leo.

George Fullerton: "Na época que sai da CBS, já haviam começado as reclamações  em relação aos instrumentos". Ele saiu em 1970, para trabalhar com Leo na Music Man

Dale Hyatt (já citado na parte 1), demitiu-se da CBS em 1972 e também foi trabalhar com Leo na G&L.

Portanto, apenas Freddie Tavares permaneceu na CBS e acabou sendo muito importante na renovação da Fender durante a década de 80 (ele faleceu em julho de 1990 e Leo Fender, em 1991).

Com exceção do Freddie Tavares (cuja função era ppte de projetista/designer e considerado por todos como uma pessoa muito agradável e que evitava confrontos) Dale Hyatt foi o último a pular do barco, em 1972. Ele fazia o link da fábrica com os vendedores, portanto era quem recebia as reclamações. Sua colocação: "A qualidade das guitarras manteve-se relativamente estável até 1968, caindo lentamente até 1970 e rapidamente à partir daí" Sintetiza todo o quadro. Em 1970 a CBS iniciou planos para uma nova fábrica com o intuito de duplicar a produção e aumentar os lucros. Enquanto a nova fábrica não ficava pronta, houve intensa pressão para aumento de produção. Em 1972 a Fender vendeu como nunca.
A nova fábrica, com área de 290.000 m² ficou pronta em 1974. Obviamente, não havia material humano qualificado o suficiente para abastecer um nova fábrica inteira, por mais moderna que fosse.

Taí... Somando esse post aqui com o da Fender nos anos 80, eu acho que dá pra saber, com boa dose de certeza, os piores anos da Fender: 1970-1983!

A CBS fez um monte de bobagens, mas talvez a mais exótica delas tenha ocorrido quando empregou novamente o ex-funcionário TADEO GOMEZ como vigia! Explico: Tadeo Gomez foi o cara que fez os melhores braços de stratos e teles na década de 50 (um braço com as iniciais "TG" é o sonho de consumo de qualquer colecionador).

OBS: A primeira parte desse post está aqui: Anos Dourados da Fender

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Intervalo de jogo: Um desabafo e um link sensacional

Ufa! Demorou!
Pessoal, antes um desabafo: fico muito feliz e orgulhoso pelo sucesso do blog, mas quanto mais visitas recebo, mais perguntas pipocam aqui e ali. Afinal, o blog já tem 88 postagens e uma média de 750 visitas/dia.
Boa parte das perguntas é geralmente até fora do tópico em questão e a imensa maioria solicitando opiniões sobre guitarras, peças, etc.
O meu objetivo sempre foi de repassar informação interessante e útil para guitarristas e obviamente tenho uma certa obrigação de responder às questões, mas se o tempo para os posts já era curto, tá ficando complicado agora.
 Além disso, meu conhecimento é limitado - ainda tô aprendendo e pouco sei sobre guitarras e afins além do que posto aqui. Não adianta o cara perguntar o que eu acho da "Ibanez não-sei-o-que" num post sobre tunagem de strato. É muito fora da casinha e rouba demais o meu tempo.
Contudo, respondo pelo menos um "não sei" pra não passar por mal educado :)
Mas o mais chato é quando o cara não lê o post inteiro e faz uma pergunta que já tá respondida no próprio texto. Putz! Sacanagem!

Mas não há o que fazer e eu lamento os atrasos nos updates. Tenho um monte de coisas legais já separadas pra postar, porém quando acabo de responder a todas as perguntas, a vontade e a energia já foram embora.
Com todo respeito, é foda! :)

Pra esse post não ficar só na choradeira, e como hoje novamente não vai dar pra postar a parte 2 dos "Anos Dourados da Fender", deixo pra vocês um link de um post da famosa luthier Paula Bifulco sobre cortes de madeira. Era um tópico que já tava separado aqui pra postar, mas o dela tá tão legal que vou "adotá-lo" no meu blog, hehehe...

Clique na imagem para seguir o link:

 

domingo, 1 de abril de 2012

Anos Dourados da Fender: 1946-1970... 1970?





         Reza a lenda que quando a CBS comprou a Fender, em 1965, a qualidade dos produtos caiu muito. Guitarras do chamado período "Pós-CBS" não são tão valorizadas quanto as do período "Pré CBS".
Mas na maioria dos livros que tenho sobre a Fender, alguns detalhando os malefícios corporativos da CBS, como o do Forrest White, a história não é bem essa.

A declaração de Dale Hyatt (gerente de vendas da Fender até 65 e depois da G&L) no livro do Tony Bacon, dizendo que a qualidade das guitarras manteve-se relativamente estável até 1970, o título do fantástico livro "Fender: The Golden Age 1946-1970" e alguns fatos históricos, como a decisão em 1970/72 da CBS de aumentar "a todo custo" a produção da Fender definitivamente levam à conclusão que devemos mudar o conceito do "Pós-CBS".


De 1965 até 1969/70, pelo menos 90% da qualidade Fender permaneceu intacta. Dale Hyatt não é uma figura tão popular da história da Fender, mas esse ex-combatente da II guerra foi um dos primeiros empregados de Leo Fender (janeiro de 1946). George Fullerton só entrou em cena 2 anos depois.

 Dale Hyatt, Leo Fender e George Fullerton

PS: Leia a segunda parte desse post aqui: Anos Dourados Da Fender - Parte II