domingo, 10 de junho de 2018

Timbre gordo, abafado, sem definição? Que tal um filtro de graves?


Paulo May

(obs: antes de fazer perguntas e ou postar comentários, leia aqui: CLIQUE)




        "Deus do céu - por que eu não sabia disso?" PQP, mais de 20 anos me incomodando com timbres gordos e sem definição e a resposta (pelo menos pra 90% deles) é um simples circuito com um capacitor e um resistor que custa menos que 5 reais... PQP!
Novamente, a culpa é do meu velho e mau hábito de generalizar minhas conclusões - como eu não gosto de equalização ativa, principalmente em guitarra, generalizei e passei a repudiar também a EQ passiva, que é outro universo.  

        O próprio controle de tonalidade nas guitarras é um circuito de EQ passiva, pois "filtra" os agudos, ou deixa passar os graves (low pass filter). Quanto maior o valor do capacitor, mais baixo inicia o corte de agudos, por isso singles, que são mais agudos, geralmente utilizam capacitores de 0,47 uF e humbuckers, 0,22 uF. Simples, mas nunca usei o corte de agudos nas minhas guitarras. O potenciômetro de tonalidade da minha telecaster 68 não é girado há mais de 20 anos, hehehe...
Sempre acreditei que guitarra boa e captadores bons não precisam de equalização porque a sonoridade essencial já é boa e um dos fundamentos desse blog é tentar entender como funciona esse processo que chamamos de "timbre". 

Assim, um dos maiores problemas que sempre enfrentei foi o de guitarras com timbre "gordo", "abafado", "embolado". Por que algumas guitarras soam assim? Seriam as madeiras, o circuito elétrico, captadores, hardware? Anos e anos nessa labuta e ainda sei muito pouco, infelizmente. Mas tenho 99% de certeza de que a estrutura da guitarra (madeiras + tipo de construção) determina a "alma" dela: gorda/grave, normal ou magra/aguda. Os captadores têm pouca influência nesse padrão, para pior ou melhor. Ou seja, se uma guitarra tem a alma grave, ela sempre soará grave. E acreditem, pelo menos 90% das guitarras abafadas não sofrem de falta de agudos, mas sim de excesso de graves, que entopem o input dos amps, pedais e obviamente, nossos ouvidos. 

Em relação às guitarras de alma gorda/grave, a minha abordagem estava completamente errada - durante anos eu tenho tentado artifícios para aumentar os agudos nessas guitarras, mas o pulo do gato aí é "CORTAR OS GRAVES". Simples e óbvio, entretanto o idiota aqui não viu isso... 

Bem, ao longo desses anos eu li vários artigos sobre circuitos passivos de corte de graves (high pass filter ou filtro de passa alta - deixa passar as frequências altas e filtra as baixas, a partir de um ponto de corte definido). A Fender Jaguar tem uma chave de high pass e o Leo Fender aprimorou esse conceito nas G&L com o sistema "PTB" (Passive Treble/Bass). Sim eu lia, mas infelizmente passava batido porque como falei, a ideia de "equalizar" o timbre me soava artificial demais. Já doei algumas guitarras por causa dessa "alma gorda/grave", mas hoje sei que facilmente resolveria esse problema com uma simples modificação no pot de tone, que transforma o tradicional filtro de agudos em um filtro de graves.

Então é isso, quase todas as guitarras têm um filtro de passa baixas (low pass), que é o controle de tonalidade, mas pouquíssimas tem um filtro de passa altas (high pass). Que coisa louca - a não ser que você seja um cara muito fã do "woman tone" do Eric Clapton ou fanático por aquele timbre obeso, geralmente com fuzz, como às vezes o do Dan Auerbach, tipo "proto-modern-white-nerd-cool-blues", provavelmente um filtro de high pass/bass cut será muito mais útil. 

        Quando resolvi testar o circuito, na Roland Fishtail, um post no blog do americano Aaron Lum foi fundamental (clique). Os esquemas que estão aqui são dele e eu modifiquei o de Les Paul para colocar o bass cut em ambos os captadores. Como falei no post da fishtail, existe um site com uma calculadora automática dos valores do capacitor e resistor (sempre ligados em série) para se obter um corte de graves numa frequência específica. Já coloquei esse sistema em 4 guitarras e posso adiantar que um ponto de corte entre 60 e 110 Hz é o ideal (mais musical) para a maioria delas. O que percebemos na real é um aumento da clareza e definição do timbre - as notas embolam menos e sobra mais espaço para os médios e agudos no espectro da percepção sonora. Ainda não precisei utilizar o filtro em captadores singles comuns, de tele e strato, mas em humbuckers ou P90 de braço, o efeito é fantástico - limpa tudo. 
Especificamente, devo "travar" em duas combinações: 
1) Resistor 680 kohms (kilohms) + Capacitor de 2.2 nF (nanofarads), com ponto de corte de 106 Hz 
2) Resistor 470 kohms (kilohms) + Capacitor de 4.7 nF (nanofarads), com ponto de corte de 72 Hz e 
O valor do capacitor é o que mais influencia aí: quanto menor, mais alto é o ponto de corte de graves. Atenção para os valores dos capacitores - quando for comprar especifique "NANO" farads (nF) ou faça a conversão para micro farads (uF).

(OBS 26/10/18: depois de colocar esse circuito em mais de 10 guitarras, cheguei à conclusão que a combinação Resistor 680 kilohms + Capacitor 2.2 Nanofarads é a que mais funciona, a mais musical. Raramente preciso diminuir muito o nível de corte do potenciômetro - na maioria das vezes, deixando entre 6 e 9 os graves feios e obstrutivos são domados.)


O filtro pode ser colocado em vários pontos do circuito: através de uma chave liga/desliga, direto na saída do jack ou no hot do captador específico ou, se quisermos mais controle sobre a intensidade do filtro (ideal), acoplado ao pot de tonalidade (que obviamente perderá então a sua função clássica de corte de agudos). Em 3 guitarras coloquei no pot de tonalidade e recomendo pots 500k "B" (lineares). Os "A" (logarítmicos) são chatos para localizar o ponto. 


Obs: Nesse esquema coloquei um resistor de 1 mega ohm. O ideal seria o de 680 kilo ohms - um pouco menor.


Em uma delas, direto no hot do captador do braço, logo antes de ligá-lo na chave:



A ligação básica é essa de baixo: o sinal que vem do captador entra por uma perna do capacitor que está ligada à uma das pernas do resistor - esse ponto é a saída do sinal já filtrado, é ali que ligamos ou no seletor ou direto no jack de saída. A outra perna do resistor é ligada no terra, kkk - é por ali que as gorduras sairão... :). Esse é o famoso "Circuito RC de Passa Altas", coisa básica pra quem conhece eletrônica mas complicada pra guitarristas.  


Seguem os esquemas para guitarras com fiação tipo Les Paul:

Estilo LP, com master tone para corte de agudos e outro master tone para corte de graves




Estilo LP, com ambos os pots para corte de graves, sem corte de agudos. Nessa opção podemos especificar valores diferentes e/ou a intensidade de corte para cada captador.

          Quando o circuito é acionado, a diminuição dos graves gera uma percepção auditiva de "diminuição de volume",  que de fato ocorre já que há perda da energia das frequências baixas. Nada dramático e é só uma questão de aumentar o volume do amp se realmente necessário. O mais importante é que muitas guitarras que soam gordas e sem definição podem ter agudos e médios bonitos que não se manifestam devido ao excesso de graves. Se a guitarra não soar bem com essa manobra, é bem possível que ela seja ruim de fato, hehehe. 

         A única coisa que lamento é não ter aprendido/aplicado isso antes. Esse post deveria ser um dos primeiros do blog...