sábado, 28 de abril de 2012

Anos Dourados da Fender: 1946-1970... 1970? - PARTE 2


Fábrica da Fender em 1946: 2 galpões



Fábrica da Fender em 1954: 4 blocos.


1954...Bons tempos :) Nesse ano (também do nascimento da stratocaster), Leo Fender contratou o engenheiro de produção/administrador Forrest White para organizar a produção. A demanda crescia constantemente mas a linha de produção ainda era amadora. O gerente da fábrica na época era, pela falta de um profissional específico, George Fullerton, o "braço direito faz-de-tudo-um-pouco" de Leo Fender.
Forrest White criou um sistema de produção eficiente, priorizando a qualidade. Alguns vícios antigos foram mantidos, mais em função da teimosia de George Fullerton (no livro do Forrest White está bem claro que eles não se davam bem).

Aqui uma foto de 1959, durante o teste de um novo amplificador. Da esquerda para direita: Freddie Tavares (engenheiro/projetista/músico), Forrest White e George Fullerton:

Um vídeo da fábrica da Fender em 1959:



Em 1964, a operação da Fender envolvia 600 empregados e 29 blocos! A produção era de cerca de 1.500 instrumentos/semana. Na foto ali de cima, de 1954, apenas 4 blocos e a produção era de 40 instrumentos/semana...

Se cresceu tanto, e a tendência, com a explosão do rock/pop com os Beatles e afins, era de aumento da demanda, por que a venda para a CBS (Columbia Broadcasting System Inc.)?

A principal razão, acredita-se, era o cansaço de Leo Fender (workaholic absoluto, é bom lembrar). Há citações que colocam-no como hipocondríaco, mas de fato ele estava sofrendo há anos com sinusite crônica e sentia sua saúde debilitada. Don Randall, seu sócio, saiu à caça de um comprador e fisgou um peixão: a gigante CBS ofereceu 13 milhões de dólares.
Em 5 de janeiro de 1965, a Fender oficialmente pertencia à CBS.

Obviamente, um monstro capitalista como a CBS não pagaria esse dinheiro à toa (foi a maior negociação da indústria musical até então). Pesquisou muito bem o mercado e descobriu que a demanda continuaria aumentando, portanto os lucros eram certos.

Essa pesquisa incluiu também uma investigação qualitativa do pessoal da linha de frente da Fender, incluindo o próprio Leo. Por incrível que pareça, num "pre-sale report", a CBS considerou que, dos principais cabeças da Fender, Leo, Don Randall, Freddie Tavares, George Fullerton e Forrest White, o único dispensável era o próprio LEO FENDER!!!.
Segundo o documento interno da CBS, "O Sr. Fender, ao contrário do Sr. Randall, não é essencial para a produção. Um competente engenheiro chefe pode facilmente substituí-lo e suprir as necessidades do mercado atual". Recomendava, entretanto, provavelmente com medo da fama e da genialidade de Leo Fender, mantê-lo como "consultor" por um período de 4 a cinco anos... Absurdo!

As cagadas da CBS começavam por aí - o cara é genioso? Só entrega um novo produto quando ELE está satisfeito? Isso só atrasa a produção - escanteio pra ele!
Em 1965, dos 28 principais postos administrativos da Fender/CBS, o cargo de Leo Fender era apenas o 18º na hierarquia. (Em 1967, depois de trocar de médicos, Leo conseguiu curar-se da sinusite crônica e sua saúde geral melhorou - a partir daí, não via a hora de acabar seu contrato com a CBS pra iniciar a Music Man - e depois a G&L)

Bem, continuando com a CBS, ela injetou muito dinheiro na modernização e ampliação da Fender.
Em 1966, já havia 9 blocos adicionais e um gigantesco bloco de produção sendo construído (ao fundo):

Fender/CBS: 1966

 
Segundo Don Randall, os lucros simplesmente dobraram no 1º ano da CBS.
É interessante a visão do Forrest White da CBS: "Eles tinham vice-presidente pra tudo... Eu acho que havia até um vice-presidente pra limpar os banheiros..."

Forrest White foi rebaixado para "gerente de produção para guitarras e amplificadores" e pediu demissão em 12/1966 após negar-se a assinar o início da produção dos novos amplificadores transistorizados Fender ("desenvolvidos pelos melhores engenheiros da época, mas que não sabiam nada de música"), que segundo ele, não mereciam o nome "Fender". Todo mundo sabe hoje que esses primeiros amplificadores eram horríveis e encalharam nas lojas. Tiveram que ser modificados e os valvulados aos poucos foram também reintroduzidos). Entretanto, ele relata que não houve alteração na qualidade das guitarras e baixos enquanto ele trabalhou lá.

Don Randall: "A CBS, pelo menos no início, tinha tanto interesse na qualidade quanto nós tínhamos". Demitiu-sem em 4/1969 e fundou a Randall Electric Instruments (vendida em 1987).
OBS: Don Randall merecia um livro só sobre ele. Sócio e verdadeira "eminência parda" de Leo. Sua importância na história da Fender pareia com a do próprio Leo.

George Fullerton: "Na época que sai da CBS, já haviam começado as reclamações  em relação aos instrumentos". Ele saiu em 1970, para trabalhar com Leo na Music Man

Dale Hyatt (já citado na parte 1), demitiu-se da CBS em 1972 e também foi trabalhar com Leo na G&L.

Portanto, apenas Freddie Tavares permaneceu na CBS e acabou sendo muito importante na renovação da Fender durante a década de 80 (ele faleceu em julho de 1990 e Leo Fender, em 1991).

Com exceção do Freddie Tavares (cuja função era ppte de projetista/designer e considerado por todos como uma pessoa muito agradável e que evitava confrontos) Dale Hyatt foi o último a pular do barco, em 1972. Ele fazia o link da fábrica com os vendedores, portanto era quem recebia as reclamações. Sua colocação: "A qualidade das guitarras manteve-se relativamente estável até 1968, caindo lentamente até 1970 e rapidamente à partir daí" Sintetiza todo o quadro. Em 1970 a CBS iniciou planos para uma nova fábrica com o intuito de duplicar a produção e aumentar os lucros. Enquanto a nova fábrica não ficava pronta, houve intensa pressão para aumento de produção. Em 1972 a Fender vendeu como nunca.
A nova fábrica, com área de 290.000 m² ficou pronta em 1974. Obviamente, não havia material humano qualificado o suficiente para abastecer um nova fábrica inteira, por mais moderna que fosse.

Taí... Somando esse post aqui com o da Fender nos anos 80, eu acho que dá pra saber, com boa dose de certeza, os piores anos da Fender: 1970-1983!

A CBS fez um monte de bobagens, mas talvez a mais exótica delas tenha ocorrido quando empregou novamente o ex-funcionário TADEO GOMEZ como vigia! Explico: Tadeo Gomez foi o cara que fez os melhores braços de stratos e teles na década de 50 (um braço com as iniciais "TG" é o sonho de consumo de qualquer colecionador).

OBS: A primeira parte desse post está aqui: Anos Dourados da Fender

16 comentários:

  1. Maior feito do Leo Fender sem dúvida foi ter sido um dos cofundadores da Music Man. Fabricante soberbo, qualidade de boutique e preço de mass production. Todos os principais erros de engenharia da Fender, que perduram até os dias de hoje, foram revistos e atacados pela MM. Minha Axis é tudo o que mais amo na vida, e tudo o que eu preciso. Melhor guitarra do mundo. Agora só quero uma MM EVH, aí é felicidade completa.

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    1. Correto, Rodrigo. A idéia do Leo Fender era realmente de fazer instrumentos superiores aos que já tinha feito. Na primeira tentativa, já criou um clássico: o baixo Music Man :)

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  2. Agora sim só estourou a GAS para comprar de vez esse livro!
    Jack, essa história da Fender serve muito bem como estudo de caso para alunos de pós-graduação em MBA no qual dou aula.
    Mostra como a falta de visão e planejamento matam o seu produto.
    Nesse caso a qualidade absoluta da Fender e que era o diferencial dela foi para o ralo...
    A CBS fez o erro clássico na área de gestão: olhou o lucro mas não o produto.
    Sensacional, vou dar um jeito de comprar esse livro.
    Parabéns novamente!

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    1. Velhinho, o livro "Golden Years..." não foi a minha fonte - ele até nem entra muito nos detalhes comerciais. Usei-o como ref por causa do título. A maior parte das informações peguei no "The Fender Electric Guitar Book" do Tony Bacon e "Fender: The Inside Story" do Forrest White.
      Se não tens nenhum ainda, te recomendo o do Tony Bacon - é talvez o melhor que já li sobre a Fender. Aliás, recomendo qualquer livro dele - tenho 4. O da Les Paul é de babar! :)
      O do Forrest White já é bem específico pra maníacos como eu - ele descreve realmente o que rolava nas internas da Fender, de 1954 até 1966.
      O capítulo "CBS" tem coisas curiosíssimas, tipo quando ele solicitou uma mesa "menor e mais simples" para o seu escritório (não podia) ou do psicólogo "estranho" que ficava entrevistando periodicamente o staff do gerenciamento :)

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    2. Pois é Jack, aí é que tá.
      Nesse ponto eu curto bastante essas internas...vou ter que comprar os dois.
      O da Les Paul eu já estou de olho a bastante tempo, quero ver se faço um estrago no cartão e mando bala nesses 3...hehhe.
      Jack, isso é algo que me chama a atenção aqui no Brasil.
      Explico melhor: a grande maioria das indústrias não se preocupa com gestão da qualidade/gestão da produção.
      Então imagina como devem ser as de guitarra.
      Eu acredito que aquela que implantar isso vai ganhar mercado.
      Um dos sucessos da PRS é por causa disso. Eu vou achar um link de uma entrevista com o gerente da PRS no qual ele explicava isso, é muito interessante e dá uma visão como as empresas devem olhar para a gestão da qualidade. Tão logo eu ache eu te encaminho.
      Eu tentei fazer isso com um luthier aqui de Curitiba, pois ele queria começar a produzir em série, mas ficou com receio de números financeiros e abandonou a idéia. Uma pena realmente.

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    3. Velhinho,
      O bom de comprar livro lá fora é que não tem imposto... :)
      Sempre comprei na Amazon e sempre recebi - alguns com atraso, mas sempre recebi :)
      Tens razão qto à PRS - NUNCA li um comentário negativo em relação à qualidade de construção delas - inclusive as SE. Tenho uma SE que dá de 10 em qualquer Epiphone ou Squier top em termos de construção e acabamento.
      A consistência, sem gaps, do alto padrão de qualidade acaba cristalizando uma imagem positiva da empresa na cabeça do consumidor.

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  3. Paulo, excelente continuação da parte I... tão completa que poderia ter partido o post em dois pra render a parte III, hahahah... abração pra ti e boa semana!

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  4. É foda, Cícero... Era pra ser um post menor, mas a gente vai se empolgando e no final... :)
    Valeu! :)

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  5. Boa noite, amigo! Sempre acompanho suas postagens e admiro muito o seu hobby. Parabéns! Tentei achar alguma postagem relacionada ao seguinte assunto, só que não achei. Vamos lá: Tenho uma Giannini Les Paul 70' (linda). Levei num luthier de confiança há alguns anos atras e refiz a pintura. Dei uma levantada no visual dela, que ficou com Honeyburst, só que há muito tempo tenho pensado em dar à ela um ar de mais vintage/relíquia. É uma guitarra de 40 anos e queria deixar ela aparentando ter a idade! Pesquisei bastante sobre desgastar a pintura com lixas bem finas, envelhecer a pintura e tudo mais, mas só encontro postagens interessantes em inglês e mesmo assim mais para Tele's e Strato's... Não acho em Les Paul!!! Gostaria de saber se você teria uma dica para me dar para fazer esse procedimento, quais produtos utilizar para tirar o vernis sem danificar a madeira, produtos químicos, etc... Se possível vamos nos falando por e mail: patrickcp2@gmail.com OBRIGADO!!!

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    1. Amigo, a pergunta não tem nada a ver com esse post. Agradeço o elogio, mas se realmente acompanhas as postagens, verás que o ideal, antes de perguntar é pesquisar - Se fizeres uma pesquisa aqui no blog, acharás várias citações sobre esse processo de relic e diminuição do brilho do verniz:
      http://guitarra99.blogspot.com.br/2011/10/guia-para-tunar-guitarras-baratas.html (dia 2)

      http://guitarra99.blogspot.com.br/2010/07/strato-sx-modificada.html

      http://guitarra99.blogspot.com.br/2010/11/sem-luthier-parte-2-bracos-envernizados.html

      Plásticos:
      http://guitarra99.blogspot.com.br/2011/10/tingindo-plasticos.html

      Em suma, dá pra fazer quase tudo com um pedaço de Bom Bril :)
      Boa sorte.

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  6. Bem legal, parabéns pelo post! Abçs

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  7. Jack já ouvi dizer varias coisas sobre esse tadeu gomez ,até que ele era brasileiro
    o que me pode me dizer a esse respeito?
    por volta de 54 quem eram os luthier tops da fender?

    valeu!

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    1. Tadeo Gomez nasceu no México, perdeu os pais quando tinha 13 anos e em seguida imigrou para os EUA, Arizona e após Califórnia, onde começou a trabalhar na Fender - foi lá que ele aprendeu seu ofício. Tinha o dom...

      Em 1954 não existia o conceito de Custom Shop nem "luthier" em fábricas como a Fender. Todos eram empregados que trabalhavam em uma linha de produção. O mérito da qualidade vai para as pessoas que orientavam o processo: Leo Fender, George Fullerton, Freddie Tavares e Forrest White, entre outros.

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  8. Paulo enconteri esse link no youtube de uma filmagem em Super * da fabrica da Fender em 1959...
    https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=nswcAPvH0P8#!

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    1. Já tinha visto esse vídeo, Fernando, mas ótima ideia - vou colocá-lo aqui no post.

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